Opções de privacidade

Cobrança: pedido procedente e Teoria da Aparência

05/06/2008 02h20 - Atualizado em 09/05/2018 15h27

Cobrança: pedido procedente e Teoria da Aparência
JUIZADOS ESPECIAIS
Autor: AUGUSTO VINICIUS FONSECA E SILVA

EMENTA:
Ação de Cobrança - Preliminar - Não-acolhimento -Teoria da Aparência - Boa-fé objetiva - Confiança - Pedido Procedente

SENTENÇA:
Processo n. 0194.06.055.323-8
- Requerente: Al. A.
- Requerida: Teto Engenharia Ltda.

SENTENÇA

Vistos etc.

Dispensado o relatório, com base no art. 38 da Lei nº 9099/1995, passo a decidir, motivadamente.
A. A. ajuizou ação de cobrança em face de Teto Engenharia Ltda. Alega ser credor da requerida, na quantia de R$5925,00, resultante do serviço de feitura de um muro tipo “rip rap” (f. 02). Como não foi paga a totalidade do contratado, vem a juízo cobrar dito valor, que corresponde ao remanescente.
Em primeira audiência de tentativa de conciliação, esta não foi possível (f. 08).
Na primeira parte da AIJ (f. 17), a requerida apresentou proposta de acordo no valor de R$2800,00, porquanto alega que o serviço todo ficou em R$5000,00. Como já houvera pagado ao requerente R$2200,00, restariam aqueles R$2800,00 feitos na proposta. A requerida, contudo, não aceitou, porque alega que o valor combinado foi de R$25,00 o metro cúbico de muro. Como foram feitos 325 metros cúbicos, o total do serviço foi de R$8125,00. Descontados os R$2200,00 efetivamente pagos, sobraria a pagar a quantia de R$5925,00 que corresponde ao pedido desta ação (f. 29).
O requerente ainda alega ter pagado R$3900,00 a S. N. A., em razão da complementação dos serviços de execução da obra, de modo que o valor proposto pela requerida a título de conciliação sequer cobre aquela quantia (ff. 27 e 30).
Em continuação de AIJ (ff. 34/35), reproposta a conciliação, esta, novamente, não vingou.
Ato contínuo, a requerida contestou às ff. 36/37. Cingiu-se a alegar não é parte processual passiva legítima, uma vez que o contrato de empreitada narrado nos autos teria sido firmado com a pessoa de J. F., “um ocasional prestador de serviços para a contestante” (f. 37). Diz que ficou esta pessoa devendo parte do combinado, “pelo fato de haver pendência entre eles”. Ao final, requer a extinção do processo com base no art. 267, VI do CPC e a condenação do requerente por litigância de má-fé.
Também nesta AIJ, foi apresentada réplica oral, rebatendo as alegações processuais da requerida e ratificando o pedido de condenação. Foram tomados os depoimentos das partes (ff. 38 e 39).
As testemunhas foram ouvidas noutra AIJ (ff. 41/44).
Eis os fatos relevantes.
Analiso, primeiramente, a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada.
Aduz a requerida, em defesa indireta, que não fora parte na relação de direito material entabulada com o requerente. Na verdade, quem teria contratado com ele seria a pessoa de J. F. L., que é irmão do sócio da requerida, Sr. N. L. S., fato que, aliás, deu azo ao acolhimento da contradita e fez com que este juízo tomasse o depoimento da testemunha na qualidade de informante (f. 43).
Para análise desta preliminar, mister tecer algumas considerações acerca do instituto da representação (arts. 115 a 120 do CC/2002).
Representação, assevera F. A., é

a atuação jurídica em nome de outrem. Concretiza o poder que uma pessoa tem, o representante, de praticar atos jurídicos em nome e, geralmente, no interesse do representado, de modo que os efeitos do ato se verifiquem na esfera deste. É uma verdadeira legitimação para agir por conta de outrem.
(...)
Como figura e como instituto jurídico, é a representação a resposta do direito ao problema da cooperação dos sujeitos na conclusão dos negócios jurídicos. Funciona como importante instrumento de dinamização da vida jurídica e, conseqüentemente, do processo de desenvolvimento econômico e social, permitindo que as pessoas se substituam na atividade, realizando negócios jurídicos sem a presença física dos respectivos agentes. Sob o ponto de vista da técnica, consiste, pois, a representação, na prática de um ato por pessoa diversa da do titular, que é parte substancial da relação jurídica. O representante, embora praticando o ato, não assume a titularidade da relação, nem é, em regra, o destinatário de seus efeitos, nem responsável por sua execução.

Fala-se, então, além da representação legal, também na representação voluntária. Esta “pressupõe uma declaração de vontade, um negócio jurídico unilateral, com que o declarante concede a outrem o poder de representá-lo na prática de atos jurídicos”.
Neste contexto, apresenta-se inexorável o que, doutrinariamente, convencionou-se chamar princípio da notoriedade ou teoria da aparência. Segundo Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias,

a disciplina jurídica da representação voluntária não pode se afastar do princípio da notoriedade (aparência). Com isso, se uma pessoa atua, aparentemente (aos olhos de todos), como se tivesse poderes para representar outra, esta responderá, prestigiado o comportamento ético das partes (boa-fé objetiva).
Equivale a dizer: pode haver outorga de poderes (representação) não apenas de forma expressa, mas também de modo comportamental.
Quando a aparência de celebração de negócio é idônea a suscitar a confiança ou representação mental, o criador desta situação concreta (aparência) está vinculado ao resultado. É a chamada teoria da aparência, que aqui ganha terminologia própria: representação ou procuração aparente.
É certo, destarte, que a exteriorização da vontade é reconhecida também através de atos e comportamentos concludentes que permitem aos terceiros confiar, acreditar, na relação jurídica que se vislumbra. Em outra expressão: não raro, apesar da inexistência de mandato, a situação apresenta-se de forma aparente, ensejando a caracterização da representação. Com Mairan Gonçalves Maia Júnior, em obra dedicada ao tema, “na representação aparente, apesar de não existir a manifestação de vontade do representado em outorgar poderes, a conduta dele, objetivamente considerada, contribui para formar no terceiro a convicção de ter sido outorgada procuração”.
(...)
O fundamento da possibilidade de mandato aparente decorre, sem qualquer dúvida, do princípio da boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva, positivada no art. 422 do CC, consubstancia uma

norma de comportamento, cujas exigências éticas submetem a autonomia da vontade, criando deveres positivos e negativos, os chamados deveres acessórios. A boa fé objetiva, estabelecendo os deveres de comportamento que as partes devem seguir nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual, será então considerada como cláusula geral que, embora não se encontre expressa no Código Civil, está incorporada ao direito brasileiro como um todo (...).
Dentre os significados mais comuns, relacionamos: correção, fidelidade, coerência, cuidado, cooperação, razoabilidade, justiça, decência, sentido ético comum, solidariedade e lealdade.

A jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais já tangenciou neste sentido:

Todo direito subjetivo é limitado pela boa-fé objetiva. Fora ou contra a boa-fé objetiva não existe amparo a nenhum direito subjetivo. A boa-fé objetiva, quando desrespeitada, enseja a intervenção do Poder Judiciário, pois, na correta observação do Ministro Ruy Rosado Aguiar, do Superior Tribunal de Justiça, nos contratos, o primado não é mais da vontade, é da justiça, mesmo porque o poder da vontade de uns é maior que o de outros.

Assim, indigitada cláusula geral abarca a confiança que deve existir entre os contratantes. E a confiança está intimamente ligada à teoria da aparência. As lições de Anderson Schreiber acerca disso são imprescindíveis:

Todavia, um olhar mais atento à realidade contempor&acir