Para solucionar casos de cobranças de tarifas excedentes, como o de Waleska, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou na última semana dois recursos dos bancos Volkswagen e Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento, que devem orientar as instâncias ordinárias da Justiça brasileira no que se refere à cobrança da tarifa de abertura de crédito (TAC), tarifa de emissão de carnê ou boleto (TEC) e tarifa de cadastro. O STJ decidiu de que atualmente a cobrança de TAC e TEC não tem mais respaldo legal. No entanto, ela é permitida para os contratos firmados até 30 de abril de 2008. O assessor jurídico do Procon Assembleia, Renato Dantês Macedo, afirma que, apesar de o acórdão ainda não ter sido publicado, o Procon e o Judiciário já entendem a cobrança como ilegal. “Essas tarifas ou qualquer outra além dos juros cobrados nos casos de financiamentos são ilegais. As resoluções do Banco Central afrontam o que está no Código de Defesa do Consumidor (CDC)”, explica.
A cobrança da TAC varia de R$ 300 a mais de R$ 1 mil nos contratos de empréstimos pessoais em geral, como os consignados e financiamentos de veículos, o que era liberado por uma norma do BC. Em 2007, a tarifa foi proibida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), mas as instituições financeiras logo deram um jeito de substituí-la e a criaram uma taxa com um novo nome, o que é a mesma coisa. A tarifa visa reembolsar os custos com a busca de informações acerca do crédito do consumidor, que configura serviço de interesse exclusivo da financeira, para minimizar os riscos de sua atividade, com a concessão do financiamento. “O banco cobra essa taxa para cobrir os custos operacionais. No entanto, esse custo já deve estar incluído na taxa de juros, o que torna a taxa ilegal”, explica o advogado Diogo Amaral, especialista em direito do consumidor.
Amparada pela decisão do STJ, Waleska pretende registrar uma queixa no Procon e pedir a restituição dos valores pagos pelas taxas ilegais. Dentro dos R$ 3 mil de tarifas que a consumidora paga, está a TEC, no valor de R$ 4,50 por boleto, somando R$ 324. Ela conta que já procurou o órgão para auxiliá-la nos cálculos dos valores. O objetivo é fazer um acordo com a financeira para poder quitar as oito parcelas restantes. “Se conseguir reaver esse valor que eu paguei a mais, vou quitar o carro e nunca mais vou querer fazer outro financiamento, nem que eu demore mais 50 anos para poder trocar de carro”, comenta.
Amaral explica que o consumidor está assegurado pelo CDC, que exige informações corretas sobre as características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem do produto ou serviço. “O que ocorre na maioria dos casos é que a instituição não deixa claro para o consumidor sobre a cobrança dessas taxas e nem os valores”, comenta.
R$ 500 MILHÕES EM JOGO A decisão do STJ permitirá que 285 mil ações, que movimentam em torno de R$ 500 milhões e tratam sobre a legalidade das cobranças, possam voltar a tramitar nas instâncias inferiores da Justiça. Em maio, a ministra Isabel Gallotti, relatora dos recursos, suspendeu todos os processos sobre o assunto para aguardar a posição final da corte. “Não existia um entendimento comum entre os juízes. Alguns julgavam como legal e outros não. Agora, eles vão se basear na decisão do STF”, explica Amaral. Ainda de acordo com o advogado, a cifra pode ser ainda maior, no caso de todos os consumidores pedirem o ressarcimento. “Poucas pessoas sabem que pagam essa taxa e a maioria não requer os seu direitos”.
No entendimento do STJ, fica autorizada a taxa de cadastro somente nos casos em que o cliente está iniciando um relacionamento com a instituição financeira. Caso ele já tenha conta bancária ou qualquer movimentação no banco, a taxa não poderá mais ser cobrada. “A taxa pode ser cobrada no início do relacionamento desde que não seja abusiva. Se é um cliente antigo, que já tem qualquer movimentação, a taxa não será legal”, explica Amaral.
O consumidor Wilson Silveira conta que financiou um carro de R$ 31 mil em 60 parcelas, sem entrada. Depois de quitar o veículo, ele foi alertado sobre as taxas que teriam sido cobradas ilegalmente no contrato. A financeira cobrou R$ 16 mil de juros, cerca de 32% do valor financiado, R$ 2,30 por cada parcela referente a tarifa de emissão de carnê ou boleto (TEC), e mais R$ 500 de tarifa de abertura de crédito (TAC). “Eles não me informaram sobre nenhuma dessas taxas. Paguei essas e outras duas que são consideradas ilegais. Se a pessoa não está atenta, paga até mais que isso sem perceber, já que o valor não está claro no contrato”, lembra.
Wilson registrou queixa no Procon Assembleia, pedindo o ressarcimento dos valores. De acordo com o Procon, o consumidor deveria receber de volta, R$ 1,7 mil. No entanto, na primeira audiência de conciliação a financeira não mandou representante. No dia seguinte, Wilson recebeu uma ligação de uma pessoa da instituição, que lhe ofereceu R$ 900 de reembolso. Em um terceiro contato, a financeira alegou que Wilson não teria direito a devolução dos valores, já que ele já havia quitado o financiamento. “Sei que eles queriam me enrolar, mas se eu paguei a mais em um contrato, tenho o direito de receber esse valor de volta”, diz. Em uma segunda audiência, um representante da financeira compareceu e apresentou o mesmo valor, quando o consumidor resolveu selar o acordo. “Os valores eram mais baixos do que o que eu deveria receber, mas decidi aceitar para não ter mais dor de cabeça”, comenta.
RESSARCIMENTO Em casos como o de Wilson, o advogado Diogo Amaral, especialista em direito do consumidor, explica que é possível pedir o ressarcimentos dos valores até cinco anos depois do pagamento da última parcela. Em uma primeira tentativa, o consumidor deve procurar a financeira e fazer a reclamação. “Geralmente eles estornam o valor sem questionar, pois já sabem que estão errados por cobrar”, afirma. O advogado diz que se não houver acordo com a instituição, o segundo passo pode ser registrar a reclamação no Procon ou entrar com uma ação na Justiça. “Essa é uma cobrança duplicada e o consumidor tem o direito de ser ressarcido”, explica Amaral. (FM)
O que diz o código
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, entre outras práticas abusivas: (redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
V –exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
§ 2°. A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
§ 4°. É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e
obrigações das partes.
Fonte: Estado de Minas