Com uma gota tatuada abaixo do olho e cabelo raspado, Ângela* entra na sala de audiência. Ela já começa a descrever, com sotaque baiano, seus crimes Brasil afora. Após ser pega assaltando em São Paulo, foi detida na Bahia e, agora, vai responder por mais um roubo, em Belo Horizonte. Não restou dúvidas à juíza, ao promotor e ao defensor de que sua prisão era necessária. Mas nem sempre é assim. Na primeira semana de funcionamento das audiências de custódia, quase metade dos presos recebeu liberdade provisória. Mais ágil e abrangendo todos os tipos de crime, o novo formato é esperança para ajudar a desafogar o sistema prisional.
A reportagem acompanhou anteontem seis das 22 audiências do período da tarde, das 13h às 18h30, no Fórum Lafayette, na região Centro-sul da capital. Quatro dos presos que chegaram algemados saíram do mesmo jeito, direto para unidades penitenciárias.
Os outros dois, Wagner* e Rosa*, terão a chance de responder ao processo em liberdade. Ela, sem antecedentes criminais, havia furtado um celular. E ele, que já responde a um crime (roubo), tentou vender esse aparelho. Se não tivessem sido ouvidos na audiência de custódia, estariam hoje ocupando uma vaga em alguma das superlotadas cadeias da região metropolitana de Belo Horizonte. Antes das audiências de custódia, os presos passíveis de liberação só eram soltos após um juiz analisar o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), que, dependendo da situação, podia demorar cinco dias ou até meses. Agora, o caso é analisado em 24 horas.
Sem vagas.O novo modelo teve início na última quinta-feira, e em alguns dias foram analisados até 40 casos. Das 104 audiências realizadas até anteontem, 56 foram convertidas em prisão preventiva e 48, em liberdade provisória. Isso significa que menos pessoas deram entrada no sistema prisional, que já abriga 57.707 presos em 32 mil vagas.
Os dois suspeitos liberados enquanto a reportagem acompanhava as audiências eram visivelmente afetados pelas drogas, mal conseguiam se comunicar. Quando a juíza perguntou a Rosa para onde ela iria, a loira dos olhos verdes respondeu com sotaque carioca: “Tava querendo ir para o Rio de Janeiro, comprar um apartamento no Leblon”. O defensor logo alertou que ela poderia ir para onde quisesse, mas teria que comunicar à Justiça. A juíza decidiu pela liberdade deles por se tratar de crimes de menor potencial ofensivo. “Poxa, parabéns, admirei o trabalho de vocês”, disse Rosa, que, mesmo confusa, entendeu que rapidamente estava livre.
Já Ângela sabia que seu destino seria diferente. “Fui presa num assalto em São Paulo, ai fui para Bahia e já roubei de novo, aí meus documentos desceu (sic) para a Bahia, eu fugi e vim para cá. Agora eu sei que eu vou ficar presa, mas eu queria voltar para São Paulo”, afirmou a morena, vestida com um moletom vermelho da Subsecretária de Administração Prisional (Suapi), para onde ela iria em seguida.
*Nomes fictícios
Maioria dos crimes é roubo, furto e receptação de veículos
Das 104 audiências da última semana, só uma foi de homicídio, de acordo com a magistrada, por se tratar de um crime difícil de ser pego em flagrante. Casos de estelionato e violência contra a mulher também chegam em menor quantidade.
Para ser liberado, Wagner* afirmou que arrumaria uma carta de emprego e que fazia parte de um clube religioso. Apesar de reconhecer a importância de ouvir e ver o suspeito, a juíza respondeu: “Isso para mim não importa, o que importa é o senhor não ficar fazendo coisa errada na rua”. O promotor pediu a prisão e o defensor, a liberdade.
“As pessoas liberadas são praticamente as mesmas que eram antes quando analisávamos só os papéis. Eu não me comovo com lágrima do preso”, completou Maria Luiza.