O Brasil vive uma onda de punitivismo no Direito Penal, com propostas de aumento de penas, da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, e da execução de decisões antes do trânsito em julgado delas. Agora, com aMedida Provisória 685/2015, o punitivismo chegou ao Direito Tributário. Essa é a opinião de advogados ouvidos pela revista Consultor Jurídico.
A razão disso é obrigação de os contribuintes declararem seus planejamentos tributários à Receita Federal, sob pena de o órgão considerar que eles se omitiram dolosamente com intuito de sonegação ou fraude. Nesse caso, os tributos devidos serão cobrados com juros de mora e multa de 150%.
A nova norma foi um dos temas discutidos na reunião mensal das associadas do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, ocorrida em São Paulo na última terça-feira (25/8). Para o presidente da entidade, Carlos José Santos Silva, o Cajé, a MP 685/2015 cria uma situação de “bem contra o mal”, sendo aquele o Fisco e este o contribuinte. A seu ver, enquanto os dois lados tiverem uma relação combativa, e não cooperativa, medidas como esta continuarão a surgir.
O coordenador tributário do CesaPedro Lunardelli, sócio da Advocacia Lunardelli, entende que a onda punitivista está mais forte no Direito Tributário do que no Penal. Isso porque neste, pelos menos, as medidas são amplamente discutidas com a sociedade, como no caso da redução da maioridade penal. Mas isso não ocorre na primeira área. Com isso, garantias dos contribuintes, como a de não produzir prova contra si próprio, estão sendo usurpadas sem contestações.
Segundo o advogado, o momento atual, de retração econômica, queda da arrecadação e busca de recursos, faz com que a Receita ignore os direitos dos contribuintes e tente obter o máximo de dinheiro possível, sem se importar com os meios usados para isso.
A também coordenadora da área tributária do Cesa Daniella Zagari, sócia do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, entende que o punitivismo criminal não se confunde com o tributário. No entanto, ela diz que a MP 685/2015 é “flagrantemente inconstitucional”: “Aqui a (in)segurança jurídica é a pedra de toque: determina-se a comunicação prévia à Receita Federal de atos que sequer são qualificados como ilícitos pela lei, sob pena de multa de 150%”.
Ela avalia ainda que a postura “autoritária e desconfiada” do Fisco frente ao contribuinte é um “desserviço à colaboração e cooperação mútuas que deveriam constituir a tônica dessa relação, a bem do país, do crescimento econômico e da própria arrecadação tributária”. De acordo com a tributarista, a Receita deveria se preocupar mais em melhorar seu relacionamento com o contribuinte e menos em criar “medidas impactantes e de efeitos drásticos e negativos” como a MP 685/2015.
Outro lado
O professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo Heleno Torres reconhece que a norma tem falhas, mas diz que o espírito geral da MP 685/2015 é válido, e segue as diretrizes mundiais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“É obvio que o planejamento tributário lícito deve ser protegido, mas não podemos dar o mesmo tratamento a planejamentos tributários agressivos, abusivos, os que são feitos com o intuito unicamente de violar regras jurídicas. O Fisco deve ter meios para combater essas práticas”, aponta o advogado.
Torres ressalta que, com a obrigação de declarar seus planejamentos, os contribuintes ainda evitarão problemas futuros, pois sabem o que é considerado legal e o que não é.
Repatriação de recursos
Outro aspecto discutido na reunião do Cesa foi o Projeto de Lei do Senado 298/2015, que estabelece que recursos de origem lícita e não declarados no exterior podem ser repatriados mediante o pagamento de uma alíquota de 35%. Segundo Torres, que participa da elaboração da proposta, a medida representa um avanço para o Brasil e poderia ajudar o governo a obter os recursos que tanto vem buscando em seu ajuste fiscal.
Lunardelli também entende que a norma é positiva, e destaca que ela segue um movimento mundial. Na sua opinião, a alíquota de 35% é justa, e não branda demais, como alguns opositores à regra vêm afirmando. Embora admita que quem enviou recursos para outras nações provavelmente ganhou com juros de aplicações financeiras no período, ele destaca que seria difícil determinar uma taxa que refletisse esses ganhos. Por isso, uma tributação no nível das aplicadas no Brasil é razoável para estimular a volta de valores ao país, avalia.
Daniella tem visão semelhante à do seu colega de Cesa e diz que o projeto traz segurança jurídica. “A experiência internacional demonstra que países como a Alemanha, que impuseram alíquotas excessivas para a repatriação, não foram bem sucedidos no programa. Outros, como a Itália, que implementaram alíquotas bastante moderadas, foram bastante exitosos, e alcançaram resultados incríveis, com o ingresso de bilhões no país, incrementando imensamente a economia”, analisa.
Já Cajé critica o projeto, classificando a alíquota de 35% de “excessiva”. O presidente do Cesa também manifestou preocupação com dois aspectos da medida. Um é o de o contribuinte ter que provar que seus recursos no exterior têm origem lícita, algo que, para ele, deveria ser feito pelas autoridades estatais e pelos bancos. O outro é o fato de quem estiver respondendo a processo criminal por crimes como lavagem de dinheiro e falsidade ideológica não poder repatriar valores. Em sua interpretação, essa regra viola a presunção de inocência e só poderia ser aplicada em caso de condenações transitadas em julgado.
Fonte: Conjur