O ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), esteve na Amagis, no final do mês de setembro, quando, acompanhado pelo presidente da Associação, juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, visitou unidades das Apacs em São João del-Rei e Belo Horizonte.
Na ocasião, o ministro, amante de fotografia, fez diversos registros fotográficos do que conheceu durante as visitas e relatou suas impressões desta experiência, que, segundo ele, o impressionou pelo tratamento humano que testemunhou.
Veja abaixo o relato do ministro e fotos feitas por ele durante a visita (texto e fotos originalmente publicados no site Migalhas):
Na véspera, quinta-feira, eu tinha conhecido as APACs masculina e feminina de São João del-Rei. Já conhecia uma APAC, a de Santa Luzia, mas não estava preparado para o que eu estava para ver.
Não estava em um estabelecimento penal, mas em uma fazenda. Logo na entrada uma fonte. Lá dentro, vi padaria, marcenaria, criação de porcos, fábrica de tijolos, flores, uma capela, posto médico, quadra de esportes, viveiro de flores, barbearia e oficinas de costura.
Vi ambientes salubres, celas arrumadas, espaços claros para refeição e banheiros e não simples fossas ou buracos no chão.
E, mais do que isso, vi homens e mulheres cantando, trabalhando e produzindo; sendo tratados com dignidade e respeito. Homens e mulheres que não usavam uniformes, mas roupas comuns do dia a dia. Eram tratados como pessoas e não como bichos ou pessoas de segunda classe. Os servidores se dirigiam a eles pelo nome e todos usavam crachá. Confesso que não tinha como identificar quem era servidor e quem era reeducando.
Não vi só sorrisos, reconheço. Vi também muitos rostos tristes, olhares constrangidos, cabisbaixos, envergonhados.
Mas, e isso é o que importa, conversei e convivi, mesmo que por poucas horas, com pessoas que me olhavam nos olhos e que não tinham medo de estar ali com um juiz.
Na sexta-feira, fui conhecer a APAC feminina de Belo Horizonte.
O ambiente era diferente. Não era uma fazenda, mas uma escola. Com muros sim, mas muros grafitados e coloridos. Com brinquedos espalhados para quando as famílias - e, principalmente, os filhos - viessem visitar as reeducandas.
Tudo aquilo que tinha visto em São João del-Rei - posto médico digno, banheiros limpos, celas organizadas, ambientes de leitura e trabalho - também via naquele dia em Belo Horizonte.
Também, como em São João del-Rei, vi mulheres sorrindo e mulheres constrangidas, mas todas usando suas próprias roupas, sendo tratadas pelo nome e identificadas por crachá.
Mas, em um momento daquele dia, aconteceu algo que mexeu comigo.
Estava no pátio e vi uma reeducanda usando um turbante e um vestido colorido. Sua personalidade era visível. Dirigi-me a ela e lhe perguntei se poderia fotografá-la. Ela olhou para mim, deu um belo sorriso e disse claro. Tirou o casaquinho que vestia, tirou o crachá, acertou os colares e começou a posar. Quando acabei fui para o centro do pátio e gritei: quem quer ser fotografada?...
Não precisei falar uma segunda vez. Várias reeducandas se aproximaram. Tirei mais de uma centena de fotos. individuais, em duplas, em grupos. todas sorrindo, felizes e deixando a timidez de lado.
Não sei dizer exatamente o que senti enquanto fotografava. Sei apenas que também comecei a sorrir e a fotografar. Senti-me bem. Não. senti-me ótimo. Rimos juntos. Brincamos. Eu não era mais um juiz e elas não eram mais reeducandas cumprindo, algumas, penas de mais de uma dezena de anos. Eu era fotógrafo e elas eram minhas modelos. E mais do que isso. elas eram gente, eram pessoas com esperança de, em um futuro não muito longe, seguir com suas vidas, deixando para trás todo o sofrimento que causaram e que passaram.
Duas semanas já se foram. Ainda vejo os números que me mostraram: uma taxa de reincidência que não chega a 15% (a média nacional é de aproximadamente 70%) a um custo de cerca de 50% do custo de um estabelecimento prisional convencional.
E ainda me pergunto: por que a resistência em tratar com um mínimo de humanidade e dignidade os nossos presos? Como já disse em outra oportunidade, eles e elas devem pagar por seus erros, mas não é melhor para nós que estamos aqui fora que, depois que saírem, elas e eles não voltem a errar?
Não é um sistema perfeito. É claro. Eles não existem. Mas as APACs, como nossos presos e presas, merecem uma chance.