Após três dias de vasta programação, o Congresso da Magistratura Mineira 2024 foi concluído com a conferência do Ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que trouxe reflexões sobre o papel do Judiciário diante das transformações tecnológicas e sociais. Em sua palestra, o ministro abordou o financiamento de litígios por terceiros - Third-Party Litigation Funding - e indagou se seria possível que o financiamento dos custos que envolvem o processo com advogados, perícias e pareceres seja feito por alguém que não tem vínculo com o litígio.
Compuseram a mesa de encerramento do congresso o presidente da Amagis, juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, a vice-presidente, juíza Rosimere das Graças do Couto, o presidente do TJMG, desembargador Corrêa Junior, os ministros do STJ Sebastião Reis Júnior e Afrânio Vilela e a ministra do TSE, Edilene Lôbo.
Segundo João Otávio de Noronha, o financiamento do litígio por terceiros consiste na prática em que um terceiro, alheio à relação litigiosa, financia uma das partes do processo, geralmente o demandante, a fim de receber parte dos valores da demanda, da qual o financiado fará jus em caso de procedência dos seus pedidos. Na avaliação do ministro, a participação de terceiros, geralmente fundos, iguala as partes no processo ao garantir a paridade de armas. Noronha observou ainda que cabe ao juiz garantir o devido processo legal em nome de uma Justiça justa.
Associado honorário
O presidente da Amagis, juiz Luiz Carlos Rezende e Santos e o presidente do TJMG, desembargador Corrêa Junior, entregaram ao ministro João Otávio de Noronha o título de associado honorário da Amagis.
Agradecimentos
O presidente Luiz Carlos agradeceu o apoio de todos os ministros para a realização do evento, além da juíza Rosimere do Couto e o presidente do TJMG, desembargador Corrêa Junior, cuja parceria foi fundamental para o Congresso. “Gratidão é palavra que remete apenas a guardar o sentimento. Sentimento de gratidão não se paga, se guarda, e guardamos muita gratidão ao senhor, presidente do Tribunal, e aos demais aqui presentes”, disse Luiz Carlos Rezende.
A vice-presidente da Amagis, juíza Rosimere das Graças do Couto, também agradeceu a presença de todos e o empenho na realização do evento. De acordo com ela, durante esses três dias de congresso, autoridades e juristas de Minas e de outros estados do país trouxeram temas de grande relevância para o Judiciário e a sociedade, como saúde mental e inteligência artificial. "O congresso foi um sucesso para todos nós. Agradeço a cada um dos palestrantes e congressistas que nos ajudaram a fazer desse um evento grandioso e edificante", afirmou.
O presidente do TJMG, desembargador Corrêa Junior, parabenizou a Amagis pela organização do evento e disse que, desde o primeiro momento em que foi procurado pelo presidente da Amagis para participar da organização do congresso, o admitiu como também do TJMG, pois é "Congresso da Magistratura Mineira e a razão da existência do Tribunal de Justiça são os magistrados e magistradas".
Mesas temáticas
Abrindo a programação, o desembargador aposentado do TJSP José Roberto dos Santos Bedaque abordou em sua conferência "As garantias e independência do juiz no atual contexto midiático". A apresentação do conferencista foi feita pelo professor Humberto Theodoro Junior. "Bedaque é um mestre e um juiz de talento ímpar, grande companheiro de jornadas ao longo da carreira de processualista brasileiro, cuja participação na elaboração do novo Código de Processo Civil foi decisiva para que o texto pudesse ser concebido para o futuro, mas assentado nas conquistas culturais e políticas do momento", afirmou Humberto Theodoro Junior.
José Roberto dos Santos Bedaque falou aos presentes sobre os aspectos da atividade jurisdicional e sua repercussão na mídia. De acordo com o magistrado e professor, a finalidade do juiz como membro do Judiciário é criar a regra concreta, adequando a norma abstrata ao caso concreto, a fim de pacificar a sociedade. Bedaque chamou atenção para o volume de informação com o qual as pessoas se deparam atualmente e para a forma como esse conteúdo é consumido. "Se examinarmos a mídia de hoje, principalmente essa feita nas redes sociais, vimos que as pessoas se contentam com o que é divulgado, sem refletir sobre a qualidade e o conteúdo da informação que está na sua frente e que nem sempre corresponde à verdade", alertou.
Inteligência artificial
Presidindo a mesa sobre IA, o desembargador do TJMG Caetano Levi Lopes afirmou ser um privilégio estar ao lado de duas grandes estrelas do mundo jurídico como a ministra do TSE, Edilene Lôbo, e a professora Tainá Aguiar Junquilho. Defensor da paridade de gênero, Caetano Levi destacou que o dom da inteligência não é privilégio masculino. “Embora com atraso, as mulheres vêm galgando seu espaço. A tecnologia de IA, há algum tempo, seria reduto masculino e aqui está a prova de que as mulheres, também com muita razão, dominam essa área”, disse.
O desembargador também refletiu sobre os impactos da tecnologia. “A inteligência artificial é algo importante, mas nos assusta. Se Aldous Huxley escrevesse nos dias de hoje não seria ‘Admirável Mundo Novo’, e sim ‘Assustador Mundo Novo'. Lamentavelmente, na visão do magistrado, há utilização indevida da tecnologia, por isso é necessário haver cuidados para que aspectos fundamentais sejam preservados", observou.
A ministra do TSE, Edilene Lôbo, falou sobre a inteligência artificial e os direitos fundamentais. Em sua apresentação, a ministra destacou a presença da tecnologia em todas as áreas da vida, em especial no sistema de Justiça. Defendeu que os direitos fundamentais devem vir primeiro que as transformações tecnológicas e a Inteligência Artificial, uma vez que a ‘razão de ser de qualquer operação ou construção humana deve ser a efetivação dos direitos fundamentais’. Enfatizando o uso da tecnologia e a necessidade de que ela seja bem aplicada a favor da democracia, Edilene Lôbo falou do livro que lançou em coautoria com Núbia Franco de Oliveira, Direito fundamental & inteligência artificial: reflexões sobre os impactos das decisões automatizadas, pela editora D’Plácido. Na obra, a ministra suscita reflexões importantes sobre a automação de decisões que podem deflagrar resultados danosos à sociedade e busca alternativas para mitigar e prevenir eventuais danos que o uso indiscriminado e acrítico da inteligência artificial possa causar aos direitos fundamentais e ao próprio sistema democrático.
Segundo Edilene Lôbo, a inteligência artificial é o resultado do aprendizado de máquinas para o desenvolvimento de tarefas na pretensão de se aproximarem, cada vez mais, da ação humana em uma velocidade muito maior. Desta forma, a ministra provocou uma reflexão aos presentes. “Seria possível falarmos da dispensabilidade das pessoas que constroem o sistema de Justiça com suas decisões, sua eficiência, segurança e confiabilidade?”. Para ela, é importante lançar mão da IA para uma série de tarefas que podem e devem ser entregues a esse modelo. “Mas a função central e fundamental do sistema de Justiça não pode ser entregue às máquinas”, afirmou.
Aspectos éticos da IA
Ao falar sobre os "Aspectos éticos da IA nas tecnologias e ferramentas no processo eletrônico", a professora Tainá Aguiar Junquilho indagou os congressistas sobre o conceito de Inteligência Artificial. De acordo com ela, a IA é muito mais simples do que pensamos. Trata-se de um modelo matemático-estatístico que vai atender e ser tão melhor quanto maior for o volume de dados nele inseridos, capaz de prever o futuro a partir de dados do passado. Tainá Junquilho destacou que a inteligência artificial é uma tecnologia da quarta Revolução Industrial e aplicada a todas as áreas do conhecimento humano. Segundo a especialista, o Direito brasileiro, em especial, não à toa é também bastante afetado por ela. "No Brasil, o Poder Judiciário é um dos ambientes em que mais se aplica a IA", afirmou.
Tainá Junquilho compartilhou com os presentes o trabalho do Comitê Gestor Nacional da Inovação do Poder Judiciário, apresentou projetos de inovação tecnológica em tribunais estaduais e em cortes superiores do país e deu exemplos de dos desafios da aplicação da IA no sistema de justiça, como a falta de estruturação dos dados judiciais e o uso de dados sensíveis. Ao encerrar sua apresentação, a professora afirmou: "Dado hoje é poder porque é matéria-prima para as tecnologias de comunicação e informação da nossa sociedade".
Homenagem
Em vias de se aposentar, o desembargador Caetano Levi Lopes foi homenageado pela diretoria da Amagis. O juiz Marcelo Piragibe entregou ao desembargador uma placa em reconhecimento ao valoroso trabalho em favor do Poder Judiciário mineiro, além da enorme contribuição na formação e capacitação de magistrados e magistradas por todo o país.
Lançamento da Revista Magiscultura
O Congresso também foi palco para o lançamento da 30ª edição da Revista MagisCultura, publicação de cultura e arte dos magistrados mineiros. A edição homenageia a cozinha tradicional mineira, que foi reconhecida em 2023 como patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais, destacando os sistemas culinários do milho e da mandioca, registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG).
Para marcar o lançamento, o presidente da Amagis, juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, o desembargador Rogério Medeiros, 3º vice-presidente do TJMG, e o desembargador Armando Freire homenagearam o editor da revista, o jornalista Manoel Marcos Guimarães. O escritor Carlos Herculano Lopes também foi homenageado com a entrega de uma placa. O juiz Renato César Jardim, presidente do Conselho editorial da MagisCultura, não pôde comparecer ao lançamento e vai receber a homenagem posteriormente.
A diretoria da Amagis também prestou homenagem a Dona Lucinha, importante personagem da culinária mineira falecida em 2019. Na oportunidade, familiares da homenageada receberam um quadro pintado em aquarela pela artista plástica Sandra Bianchi, responsável pelas ilustrações da revista MagisCultura.