A transformação tecnológica da prestação jurisdicional, principalmente em tempos de pandemia, tem levado Tribunais e os próprios magistrados a investirem em ferramentas que geram mais eficiência e menos burocracia ao simplificarem a comunicação com o jurisdicionado. A linguagem rebuscada, com o uso de termos jurídicos de difícil compreensão por quem não é da área do Direito, é vista por boa parte da sociedade como um entrave na aproximação entre o cidadão e a Justiça.

Mas será que o famoso ‘juridiquês’ está com os dias contados? Se depender do juiz Marco Bruno Miranda Clementino, titular da 6ª Vara Federal da Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN), sim.

O magistrado é adepto do emprego do Visual Law em processos judiciais. Essa metodologia une técnica jurídica, tecnologia e design para simplificar a linguagem por meio de elementos visuais como pictogramas, ícones, vídeos, infográficos e fluxogramas e permite a conversão de documentos jurídicos, de qualquer natureza, em linguagem visual simplificada.

“Uma pessoa que entende melhor um documento está mais propícia a cumprir a determinação

que está ali", diz o juiz Marco Bruno - Foto: JFRN

 

Em vez de termos em latim e textos longos, os documentos assinados pelo juiz Marco Bruno têm, no máximo, duas páginas e são acompanhados de imagens que facilitam a compreensão por quem os lê. “Não defendo o abandono da terminologia jurídica, mas sim que a Justiça tente se comunicar com mais fluidez. Portanto, busquei novas ferramentas tecnológicas, como o Visual Law, que colocam o cidadão no centro das atenções. Com o foco nele, os vários atores do Sistema de Justiça dialogam com mais facilidade para simplificar o acesso da sociedade à Justiça”, afirmou o juiz federal Marco Bruno Clementino. 

Modelo de intimação

O magistrado desenvolveu um modelo de mandado de citação e intimação de penhora seguindo esses preceitos. Para isso, contou com a colaboração de dois estagiários da vara que cursavam Direito e possuíam também conhecimento na área do design. O modelo demorou um mês e meio para ser feito. Nesse caminho, o juiz criou até um dicionário de pictogramas jurídicos, de acordo com ele, uma espécie de outro idioma mais acessível. “Uma pessoa que entende melhor um documento está mais propícia a cumprir a determinação que está ali, pois percebe que seu direito também está sendo levado em consideração”, afirmou Marco Bruno.

Modelo do mandado de citação e intimação de pehora criado pelo juiz Marco Bruno

 

O mandado de citação e intimação de penhora contém pictogramas, ícones, telefones para contato, QR Code e link para um vídeo em que o próprio juiz explica, em uma mensagem clara e descomplicada, o conteúdo do mandado judicial ao cidadão que deixou de cumprir suas obrigações fiscais, por exemplo. Para processos complexos, o juiz desenvolveu fluxogramas com pictogramas para todos compreenderem corretamente o fluxo processual.

Além disso, criou um tutorial para as partes solucionarem qualquer dúvida na hora de acessar as audiências virtuais. Nesse caso, as ferramentas do aplicativo Zoom são adaptadas à linguagem jurídica. Assim, por exemplo, a ferramenta de ‘erguer a mão’ na audiência é interpretada como ‘pela ordem’ na linguagem jurídica.

“No design, você precisa trabalhar com empatia e mapear as dúvidas que o receptor da informação poderá ter. As pessoas ficam estimuladas a colaborar com o juízo quando são tratadas dessa maneira”, disse Marco Bruno.

Construção coletiva

Aprimorar a comunicação com a sociedade, criando um diálogo mais amigável e colaborativo, não é um caminho fácil para todos e exige um esforço coletivo.  Recentemente, Marco Bruno realizou na 6ª Vara Federal da JFRN uma oficina sobre leilão com servidores, leiloeiros e advogados.

Com uma diversidade de participantes e a colaboração mútua, foi possível desenvolver um fluxo de trabalho com o passo a passo para alienação de bens e, posteriormente, uma ordem de serviço. De acordo com o magistrado, nas oficinas, como há muita gente pensando ao mesmo tempo sobre um assunto, surgem ideias “fascinantes” que levam a um melhor resultado.

Para Marco Bruno, o juiz precisa fazer um trabalho democrático, pois o design é colaborativo. “Todo magistrado tem sua equipe, e as equipes têm talentos. Falta ao juiz, muitas vezes, a capacidade de utilizar esses talentos. Ficamos tão imersos na burocracia que não vemos o potencial de nossos servidores. Por isso, sempre digo aos meus colegas: ‘Acredite na interdisciplinaridade e ouça seus colaboradores. Invista no potencial da experimentação. Tente fazer’”, afirmou.

Slack

Com a ampla oferta de cursos na área de tecnologia, como os promovidos pelas Escolas Judiciais, e de tutoriais disponíveis na internet, magistrados têm, cada vez mais, buscado o conhecimento necessário para a adoção de novas práticas que facilitem sua rotina de trabalho.

O juiz Luís Henrique Guimarães de Oliveira, da Comarca mineira de Barão da Cocais, é um deles. O magistrado percebeu que a pandemia do novo coronavírus reforçou a necessidade de redesenho da forma como o Poder Judiciário mineiro se relacionada interna e externamente com as pessoas. Para isso, tem feito uso de ferramentas que proporcionam uma melhor experiência a ele, aos servidores da comarca e, principalmente, ao jurisdicionado.

"As novas ferramentas permitem mais transparência, celeridade e acesso do cidadão

ao Poder Judiciário", afirma o juiz Luís Henrique Oliveira - Foto TJMG

 

No trabalho, o juiz utiliza o Slack, um aplicativo para comunicação de equipes com suporte a canais, conversas privadas e integração com serviços externos. Segundo ele, o WhatsApp, apesar de muito popular, não se mostrou adequado para as comunicações internas entre os servidores, devido a algumas limitações de funcionalidades.

O Slack, por outro lado, deu profissionalismo à forma como se comunicam, além de permitir a integração com outros aplicativos que têm auxiliado na gestão da Comarca, como o Google Agenda, no qual fica a pauta de audiências e reuniões, e com o Cisco Webex Meetings, plataforma adotada pelo TJMG para realização de audiências. “Essa integração tornou muito tranquilo o nosso fluxo de trabalho. Outra preocupação que tive foi em relação à eventual sucessão na gestão da Vara. Caso eu venha a ser sucedido, o acesso à plataforma poderá ser passado para o novo juiz e ele continuará com tudo que desenvolvemos normalmente”, explicou Luís Henrique Oliveira.

Trello

Outra ferramenta adotada pelo magistrado na Comarca de Barão de Cocais é o Trello, que também possui integração com o Slack e é ideal para o gerenciamento de projetos de acordo com as necessidades do usuário.

Por meio da plataforma, Luís Henrique Oliveira, seu assessor e os demais membros da equipe passaram a interagir com maior fluidez durante a confecção das minutas de despachos, decisões e sentenças.
Por ela, foi possível definir prazos, acompanhar o status das atividades e a execução em tempo real, permitindo controle de meios e de resultados em relação às tarefas de cada colaborador. Além de monitorar o cumprimento dos prazos para desenvolvimento de cada tarefa, o que é importante, sobretudo, nas questões urgentes como casos envolvendo réus presos, saúde e infância, com o Trello a equipe do magistrado passou a interagir com mais qualidade em projetos complexos, como no desenvolvimento de atos jurisdicionais em ações coletivas.

Como a ferramenta é utilizada por toda a equipe e não apenas pelo juiz, é permitido que os responsáveis pelo processo tenham acesso a informações importantes que antes eram passadas de “boca a boca” ou em reuniões. “Agora, simplesmente colocamos o apontamento no Trello e todos os envolvidos podem ver, manifestar e agir daquela forma, o que ajuda no alinhamento de posturas e na uniformização. Tudo isso permite mais transparência, celeridade e acesso do cidadão ao Poder Judiciário, diminuindo a visão de burocratização do órgão”, destacou Luís Henrique Oliveira.