O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro conseguiu, entre os anos de 2013 e 2014, diminuir em cerca de 40% o número de ações com teses idênticas e sabidamente perdidas, movidas por advogados acusados de alimentarem a chamada indústria da litigância de má-fé. A arma utilizada foi a análise em bloco das ações de conciliação que são apresentadas nos Juizados Especiais Cíveis.
O percentual foi divulgado pelo juiz Flavio Citro, coordenador do Centro Permanente de Conciliação dos Juizados Especiais Cíveis do Rio de Janeiro, na última quinta-feira (5/2), durante o evento sobre comércio eletrônico e suas atuais implicações no universo, promovido pelo Marcelo Tostes Advogados, em São Paulo.
O juiz classificou como fraudulento o atacado de ações alimentado por advogados que têm como objetivo obter pagamento dos clientes atuando em causas já reconhecidamente perdidas. De acordo com ele, isso ocorre com a captação de clientela, demanda artificial ou demanda industrializada (quando há grande volume de mesmos processos com um mesmo advogado atuante ou com mesmo autor e demandas muito parecidas) e fraude — esta juntando litigância de má-fé e até utilização de procuração falsa, ou seja, quando a parte não sabe que seu nome é usado em uma ação.
Citro avalia que as empresas podem e devem se ater mais na análise processual que o julgamento em volume nos JECs permite, para combater esse tipo de ação. Em entrevista à ConJur, ele afirmou que os julgamentos em blocos feitos nos mutirões de conciliação, permitem a diminuição dos custos tanto para empresas quanto para o judiciário.
“O Judiciário Estadual especializado em Direito do Consumidor acumula milhares de ações judiciais repetidas de consumidores lesados que, desavisados, celebram contratos pela internet com empresas de péssima reputação e com alto risco de malogro na compra eletrônica, em prejuízo do consumidor hipossuficiente, equação incompatível com o estágio atual da tecnologia da informação e desafiando a necessária confiança que o mercado eletrônico deve ostentar” aponta uma parte da apresentação que o juiz apresentou no evento.
Visão geral
É melhor para a empresa ser reclamada coletivamente do que individualmente, afirmou o juiz. Isso porque as empresas têm uma noção mais fidedigna da quantidade e da real abrangência de casos em que há fraude processual. Em sua apresentação, Flávio Citro (foto) mostrou o exemplo de um grupo antigo de compras coletivas que conseguiu diminuir, entre um mutirão e outro, de 400 para apenas 20 os casos de reclamação judicial com esse tipo de dado.
O magistrado afirmou que as compras pela internet são “exemplos didáticos das lesões de massa, causadas por empreendedores inidôneos que vendem produtos sem qualidade, não entregam a mercadoria ou desrespeitam o prazo prometido” e que não honram a garantia, e, em muitos casos, exploram “propaganda enganosa” sem ter infraestrutura para responder às reclamações dos consumidores insatisfeitos.
Citro demonstrou, ainda, que as empresas que atuam no varejo devem “capacitar seus colaboradores e implantar ou incrementar o serviço de pós-venda para impedir que a relação dos varejistas com o consumidor azede”. Isso porque o próprio foco da Justiça, segundo o magistrado, é voltado para o sistema defesa do consumidor e da dinâmica do comportamento varejista.“As empresas varejistas precisam ajustar suas práticas ao sistema de proteção ao consumidor, porque não sobreviverão ao desgaste gerado por milhares de reclamações e ações judiciais com abalo de sua reputação”, assinala.
Lobo e o galinheiro
O magistrado falou também sobre o caráter constitucional das leis que defendem o consumidor, parte mais fraca no comércio. Ele avalia que a implementação do Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec), do Ministério da Justiça, no ano passado, traz avanços nesse sentido.
Ele citou o discurso do ex-presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, posteriormente adotado como lei estadunidense e expandido pela ONU em oito princípios para a proteção do consumidor. No discurso, Kennedy apontou para a necessidade de as informações dos bens vendidos estarem bem estabelecidas para que o consumidor pudesse fazer a escolha mais consciente possível.
A lei dos EUA, segundo Citro, torna-se uma política de Estado, tal qual a política trabalhista no Brasil, que tem por norte proteger o hipossuficiente e a parte mais fraca do negócio.
Ele disse que, por analogia, se não há uma política de Estado balizando as relações de comércio, principalmente do comércio eletrônico — os números apresentados pelo magistrado dão conta de que 50% da população brasileira não tem acesso à internet e 25% dos habitantes do país são usuários iniciantes das ferramentas on line — “é como deixar o lobo cuidando do galinheiro”, exemplificou. “O jeito [para diminuir a litigância e aumentar a fidelidade às empresas] é empoderar o consumidor, pois a parte, em 99% dos casos, tem condições de resolver por si mesma as questões. E ela quer ver resolvido o problema, não está atrás do dinheiro”, disse o juiz.
Fonte: Conjur