O segundo dia do Congresso da Magistratura Mineira, realizado na cidade histórica de Ouro Preto, foi aberto com palestra do desembargador Luciano Pinto. O magistrado falou sobre “Raphael Magalhães: toga e tolerância”. A mesa foi composta pelo vice-presidente do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, desembargador Fernando Galvão, pelo diretor da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio), Sérgio Guerra, e pelo vice-diretor da FGV Direito Rio, Antônio Porto.

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Luciano Pinto dedicou sua palestra à memória do grande filho de Ouro Preto, o professor e filósofo jesuíta Henrique Cláudio Lima Vaz. “Padre Vaz foi referência internacional na filosofia e uma grande inspiração”. 

Em sua apresentação, o desembargador fez uma exaltação a Raphael Magalhães e apontou alguns dos principais momentos de sua trajetória com destaque para a ideia de tolerância introduzida por Magalhães, que, na opinião de Luciano Pinto, deve formar a ambiência de juízes e tribunais. 

“Esse é o núcleo da proposta que trago: a de que judicatura exige tolerância, tolerância tem limite. Raphael Magalhães é lição e exemplo de uma e outra proposição, ou seja, a do exercício da tolerância e a da necessidade de sua limitação, em situação que implique a própria sobrevivência da tolerância mesma”, afirmou o magistrado. 

De acordo com Luciano Pinto, Raphael Magalhães deve ser considerado patriarca da Magistratura mineira. Ao final da palestra, o presidente da Amagis, juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, afirmou que Luciano Pinto trouxe uma verdadeira exposição de motivos para que Magalhães seja o nome reverenciado como patriarca dos juízes e desembargadores do Estado. A proposta foi aclamada pelos magistrados e magistradas presentes. 

Homicídios e as gangues de base prisional no Brasil 

Dando sequência à programação, o vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), conselheiro Durval Ângelo, fez a introdução para o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso. Durval Ângelo disse ser “uma alegria muito grade estar nesse encontro pela primeira vez como filiado da Amagis”. Citando os livros do jornalista, Durval Ângelo afirmou que os estudos desenvolvidos nas obras que abordam as milícias e a ascensão do Primeiro Comando da Capital (PCC) são um verdadeiro “exercício arqueológico da violência no Brasil”.

 
O jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso apresentou uma palestra sobre o histórico de homicídio e o surgimento de gangues originadas no sistema carcerário brasileiro. De acordo com o jornalista, é fundamental discutir o tema da violência no Brasil. “Essa é uma tentativa de conversar e tentar entender o que está acontecendo para procurarmos soluções”. 

Em sua fala, Bruno Paes Manso destacou o surgimento de grupos de justiceiros, como o Esquadrão da Morte, com a alegação de que a polícia não saberia distinguir quem eram os trabalhadores dos criminosos. De acordo com ele, a violência trazida por esses grupos gerou um ciclo de vingança produzindo rivalidades e revanches.  

Mais adiante, o jornalista falou sobre o contexto do surgimento do PCC a partir do massacre do Carandiru em 1992 e o redirecionamento das políticas carcerárias em 1993 com a criação da Secretaria de Administração Penitenciária. “O argumento do PCC era estabelecer uma relação de unidade entre os detentos para combater o sistema”. A partir dos anos 2000, ao invés de cobrar mensalidades, o PCC passou a investir no tráfico de drogas e a dominar 90% do sistema prisional. “O PCC propõe regras de profissionalização do crime com mecanismos de garantias para criminosos dentro do sistema prisional”. 

Finalizando, falou sobre a violência policial e o surgimento das milícias principalmente em bairros pobres. “A polícia brasileira é a mais violenta no mundo. A polícia com carta branca para matar é a semente para o surgimento da milícia”. 

Misoginia e machismo 

O evento que fechou a parte da manhã do Congresso da Magistratura Mineira foi comandado por mulheres. Mediadas pela integrante da Coordenadoria Amagis Mulheres e diretora de Comunicação da Associação, juíza Daniela Cunha, a juíza federal Adriana Cruz, a historiadora Suzana Veiga e a professora Bruna Camilo abordaram temas como misoginia no Brasil, movimentos de ódio nas redes sociais e aspectos criminais do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero.

 
Ao abrir a mesa temática, a juíza Daniela Cunha fez um agradecimento às integrantes da Coordenadoria que, de acordo com ela, “nos fazem lembrar da força das mulheres e da beleza infinita de se unir em rede e de caminhar lado a lado com quem nos inspira”, disse ela estendendo o agradecimento a todas as associadas da Amagis, “porque sei que todas vocês são mulheres admiráveis que trilham em suas carreiras e em suas vidas caminhos de dificuldades, mas também de esperança e de conquistas”.  

A magistrada agradeceu também ao presidente Luiz Carlos Rezende e Santos e à vice-presidente juíza Rosimere das Graças do Couto por terem criado a Coordenadoria das Mulheres, “e sobretudo por darem apoio integral e diuturno, demonstrando que, para nossa Associação, a luta pelo direito das mulheres não é apenas um discurso vazio ou uma ferramenta de propaganda, mas um compromisso efetivo que se traduz em ações concretas e constantes”, disse. Daniela Cunha agradeceu aos colaboradores e colaboradoras da Amagis e a todos aqueles envolvidos na produção e realização do Congresso. 

Ao passar a palavra às palestrantes, a magistrada agradeceu todas elas pela disposição em acreditar na mudança e pela coragem de fazer a mudança. “Acompanho há algum tempo o trabalho de vocês e estou imensamente honrada em conhecê-las pessoalmente, grata por ter vocês aqui e feliz por essa oportunidade”, disse. 

Origens 

Em sua apresentação, a historiadora Suzana Veiga falou sobre as origens históricas da misoginia. Segundo ela, a misoginia no Brasil começa na Europa e vai se estruturando no discurso e nas atividades materiais, impactando a vida das mulheres até hoje. “Atualmente, a misoginia está naturalizada na sociedade na visão da mulher como um ser inferior e frágil, discurso reproduzido há muitos anos”, disse. “Assim como o patriarcado, a misoginia não nasce de um dia para o outro. É um longo processo que se constrói e vai se enraizando, modelando a sociedade”.

 
Suzana apresentou o contexto histórico, como os discursos chegaram no País, por meio da colonização e foram se cristalizando na sociedade brasileiras, e a importância e o papel das instituições para o fim da misoginia e o fortalecimento das mulheres. 

Movimentos de ódio 

Na sequência, a Superintendente do Consórcio Mulheres das Gerais e doutora em Ciências Sociais Bruna Camilo falou sobre “Os movimentos de ódio nas redes sociais: misoginia e machismo”. Bruna Camilo afirmou que o intuito de sua fala é reforçar a responsabilização dos operadores do direito no combate à violência contra as mulheres. “É por meio do Judiciário que conseguiremos combater, de fato, essa estrutura tão patriarcal, machista e misógina. Falamos muito da violência contra as mulheres, mas enquanto não falarmos da masculinidade tóxica não conseguiremos entender, verdadeiramente, o caminho da igualdade”, afirmou.

 
Bruna Camilo chamou atenção para o fato de a misoginia estar sendo usada explicitamente na internet como forma de agressão por meio de memes misóginos disparados por bots, vídeos depreciativos e postagens em redes sociais. “A misoginia está relacionada com a aversão, o medo e ao ódio contra as mulheres. Dela surgem vários problemas sociais, como a violência, o abuso sexual, a repressão, a inferiorização e a discriminação contra a mulher”, alertou. 

Já o machismo, segundo Bruna Camilo, é praticado de formas mais sutis. São atitudes e práticas imperceptíveis ou não, repetitivas e cotidianas, que os homens realizam para ter seus papéis tradicionais do que é “ser homem” e “ser mulher” e perpetuar vantagens de dominação. 

Perspectiva de gênero 

“Aspectos criminais do protocolo de julgamento com perspectiva gênero” foi o tema da palestra da juíza federal Adriana Cruz. A magistrada falou sobre marcadores sociais, processos de criminalização, exclusão como política de Estado, sistema carcerário e sua composição.

 
Adriana Cruz destacou a necessidade de se reconhecer que a norma impacta as pessoas de forma diferenciada e que os aplicadores do Direito são orientados por vieses cognitivos de sua visão de mundo. “Nosso olhar não é uma régua do mundo, não é o único olhar. Cada um de nós tem, na sociedade, uma função diferente, uma ordem construída. Hoje no auditório, por exemplo, não vamos colocar o ar-condicionado a cinco graus porque uma pessoa presente aqui gosta dessa temperatura. Não somos a régua do mundo”, afirmou. 

Antes de encerrar a palestra, Adriana Cruz passou um vídeo produzido por ela, com perguntas nas redes sociais sobre o que as pessoas esperam dos juízes. No vídeo intitulado “Carta aos Magistrados”, foram reproduzidos os anseios dos jurisdicionados, e os mais presentes foram: humildade, sensibilidade, empatia, justiça social, alteridade, coragem, proximidade com o povo e humanidade.