As pessoas que procuram a Justiça estão, em sua grande maioria, em busca de uma solução para determinado conflito, seja ele em qualquer área de sua vida. A reação mais comum é levar o problema ao Judiciário, muitas vezes até a última instância, para colocar na mão do Estado, no caso, do juiz, a solução para conflitos, que, em parte, poderiam ser resolvidos pelas próprias pessoas.
Com essa percepção, a conciliação vem ganhando cada vez mais espaço no Poder Judiciário, com o objetivo de promover, efetivamente, a pacificação social, fazendo com que o jurisdicionado tenha controle sobre a solução daquele conflito da forma mais harmônica e construtiva possível. Com a entrada em vigor no novo Código de Processo Civil (CPC), em 2016, a conciliação passou a ser uma fase inicial obrigatória nos processos. Outra forma de pacificação que vem sendo adotada no Judiciário é a ‘constelação sistêmica’, dinâmica criada pelo teólogo, filósofo e psicólogo alemão Bert Hellinger. A constelação é uma prática psicoterápica, que trabalha, principalmente, as emoções e energias inconscientes que influenciam as decisões.
Em 2014, a revista Mente Cérebro - Scientific American publicou reportagem sobre pesquisas realizadas nas Universidades da Pensilvânia e de Cambridge, que mostram que as práticas de conciliação apresentam benefícios tanto para as vítimas quanto para os infratores. A reportagem mostrou que a utilização desses métodos nas áreas familiar e criminal faz com que as partes sejam sensibilizadas com intervenções rápidas e simples, realizadas antes de uma audiência.
Humanização
Em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o método da constelação sistêmica é aplicado nas três varas de Família e Sucessões com a ajuda de uma terapeuta. Em entrevista ao programa Via Justiça, da Amagis, a juíza Christiana Motta, da 1ª Vara, falou sobre o assunto e argumentou que a realidade do Poder Judiciário é uma, tem suas regras e suas leis, mas a realidade individual dos atores envolvidos em um processo é outra. “Há um impasse entre o ritmo da Justiça e o ritmo e as demandas internas dos autores envolvidos. E, muitas vezes, nós não olhamos isso com a devida humanização”, pontuou a magistrada.
De acordo com Christiana Motta, foi possível equacionar uma forma de inserir a terapia sistêmica dentro dos processos de família, facilitando a solução dos conflitos. Ela observou que o juiz se mantém na sua figura de autoridade para que possa julgar o processo caso não haja acordo. “Nosso objetivo é fazer com que as pessoas se sintam acolhidas e humanizadas. Fazer com que as partes se sintam como seres humanos e não como uma parte de um processo dentro da máquina judicial”, afirmou a magistrada, que também destacou a importância da atuação dos advogados na solução dos conflitos. “O sucesso na conciliação e na terapia sistêmica demanda a participação de todos os envolvidos, inclusive os advogados”, disse.
Para o juiz Ricardo Vianna da Costa e Silva, da 3ª Vara de Família e Sucessões de Contagem, a constelação é mais uma ferramenta eficiente que pode ajudar a solucionar conflitos e casos complicados. De acordo com a juíza Daniella Nacif de Souza, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Contagem, a técnica é muito válida porque, em determinados casos, nem a própria sentença soluciona, de fato, o conflito. “A constelação ajuda a diminuir a resistência entre as partes e a promover o diálogo. Muitas vezes, ela favorece a aproximação entre os indivíduos envolvidos no processo e o conflito é verdadeiramente resolvido”, afirmou a magistrada.
Uma das terapeutas sistêmicas que atua nas varas de Família de Contagem com a constelação familiar, Andréa Evaristo Coelho Rocha, disse que a constelação é muito importante porque ela facilita a compreensão do processo. “Quando as partes chegam ao juiz, elas já estão com a ‘ferida aberta’, e a constelação é um instrumento que vai facilitar a compreensão do problema e a necessidade de solucioná-lo”, adiantou a terapeuta. A especialista esclareceu que a terapia é feita de forma sigilosa, e as partes são atendidas em particular. “Desenvolvemos a dinâmica da constelação familiar. A parte amplia sua participação e sua percepção sobre aquele conflito ou aquele problema. E, com isso, ela fica mais sensibilizada, abrindo uma perspectiva nova e facilitando a disponibilidade de se chegar a um acordo”, registrou.
Atualmente, as pessoas estão acostumadas e condicionadas com instituições decidindo por elas. No caso do Poder Judiciário, é a figura do juiz que decide, dentro de um conflito, quem, teoricamente, perde e quem ganha. No caso da conciliação, mediação e da terapia sistêmica, como observou a juíza Christiana Motta, não há perdedor, mas somente ganhadores. “As metodologias de conciliação visam criar uma situação em que as duas partes ganham. O julgador não é mais, a meu ver, um ser que determina quem ganhou e quem perdeu, mas sim um ser que auxilia na construção de uma ponte entre duas montanhas”, afirmou a juíza.
Pioneirismo
Pioneiro no uso das constelações no Judiciário brasileiro, o juiz Sami Storch, da 2ª Vara de Família da Comarca de Itabuna (BA), vem se dedicando ao estudo desse assunto desde 2004, quando teve seu primeiro contato com a terapia das constelações familiares e percebeu que, além de ser uma técnica altamente eficaz na solução de questões pessoais, esse conhecimento teria um potencial imenso para utilização na área jurídica.
Quando ingressou na Magistratura, em 2006, o juiz já estava cursando sua primeira formação em constelações e, desde o princípio, a visão sistêmica vem auxiliando-o na compreensão das dinâmicas existentes nos conflitos com os quais lida diariamente no Judiciário.
“Mesmo tendo as leis positivadas como referência, na prática, as pessoas nem sempre se guiam por elas em suas relações. Os conflitos entre grupos, pessoas ou internamente em cada indivíduo são provocados, em geral, por causas mais profundas do que um mero desentendimento pontual, e os autos de um processo judicial dificilmente refletem essa realidade complexa”, afirmou Storch.
Nesses casos, segundo Sami Storch, uma solução simplista imposta por uma lei ou por uma sentença judicial pode até trazer algum alívio momentâneo, uma trégua na relação conflituosa, mas, às vezes, não é capaz de solucionar verdadeiramente a questão e de trazer paz às pessoas.
“O direito sistêmico se propõe a encontrar a verdadeira solução. Essa solução não poderá ser nunca para apenas uma das partes. Ela sempre precisará abranger todo o sistema envolvido no conflito, porque, na esfera judicial, e, às vezes, também fora dela, basta uma pessoa querer para que duas ou mais tenham que brigar. Se uma das partes não está bem, todos os que com ela se relacionam poderão sofrer as consequências disso”, disse Storch.
Vivência da constelação
O juiz contou que a sessão de constelação familiar começa com uma palestra sobre os vínculos sistêmicos familiares, as causas das crises nos relacionamentos e a melhor forma de lidar com os conflitos. Em seguida, é feita uma meditação, pela qual as pessoas entram em contato com o verdadeiro sentimento de amor e perda decorrente da crise familiar. Depois, podem vivenciar o método das constelações familiares – “constelando” sua própria questão familiar, participando da constelação de outra pessoa como representante de alguém da família ou apenas como observadores.
Na constelação familiar, uma pessoa se propõe a “olhar” para o seu próprio sistema familiar. Então, são escolhidos, entre os presentes, representantes para essa pessoa e para os membros de sua família. “Com o decorrer do trabalho, esses representantes começam a expressar sentimentos que traduzem as dinâmicas ocultas nos relacionamentos nessa família, chegando, muitas vezes, às origens das crises e dificuldades enfrentadas, que podem estar relacionadas a fatos ocorridos no passado familiar de cada um, inclusive de gerações anteriores. Eles podem, também, observar quais os movimentos e posturas que conduzem a uma solução”, orientou o magistrado.
100% de acordos
Para Sami Storch, a Constelação Familiar é um instrumento que pode melhorar os resultados das sessões de conciliação e humanizar a Justiça. Em 2012 e 2013, a técnica foi levada por ele aos cidadãos envolvidos em ações judiciais na Vara de Família da Comarca de Castro Alves (BA), onde o magistrado atuava. A maior parte dos conflitos dizia respeito à guarda de filhos, alimentos e divórcio.
De acordo com o juiz, das 90 audiências dos processos nos quais pelo menos uma das partes participou da vivência de constelações, o índice de conciliações foi de 91%; nos demais, foi de 73%. Nos processos em que ambas as partes participaram da sessão de constelação, o índice de acordos foi de 100%.
Em Itabuna, onde a constelação passou a ser aplicada pelo magistrado neste ano, as estatísticas ainda não foram concluídas, mas, segundo Sami Storch, os índices de conciliação já passam de 90%, além de alcançarem processos que se arrastavam há muitos anos. Há casos em que um conflito de casal havia dado origem a mais de uma dezena de processos e, após a constelação, as partes puderam se conciliar e se entender como amigos.
“Em outras comarcas, onde as constelações vêm sendo utilizadas, em diversos estados do País, os juízes relatam índices semelhantes. Também nas varas criminais, de infância e juventude e até empresariais, os resultados se mostram impressionantes, inclusive com redução da reincidência no âmbito criminal e infracional”, ressaltou o juiz.