A promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 completa hoje, dia 5 de outubro, 29 anos.

“Declaro promulgado o documento da liberdade, da dignidade, da democracia e da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude, que isso se cumpra!”

No dia 5 de outubro de 1988, no Senado Federal, em Brasília, exatamente às 15h50, o presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, levantava, sob aplausos, um exemplar original da nova Constituição Federal, que ele acabara de assinar, e dizia as palavras acima. Esse gesto representava o fim de um longo processo pela redemocratização e, ao mesmo tempo, o começo de um trabalho de adequação da vida institucional do país à nova Constituição, que entrou para a história com a ‘Constituição Cidadã’.

Constituição

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim; divergir, sim; descumprir, jamais; afrontá-la, nunca!” – Deputado Ulysses Guimarães – Presidente da Constituinte.

Passados quase 30 anos da promulgação, a Amagis relembra análises feitas por diversos juristas ao Jornal DECISÃO (edição nº141), quando a Constituição foi abordada por eles. Na ocasião, formou-se um consenso geral de que o mais relevante na Constituição de 1988 foi o fato de ter sido um marco de transição para a democracia. Leia abaixo.

Para o ministro Carlos Velloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (1999 a 2001), o caráter democrático é a principal virtude da Constituição de 1988. “É uma Constituição do seu tempo, que, para a sua feitura, concorreu toda a nação, todos os segmentos da sociedade, na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988. Ela estabelece, com nitidez, a separação dos poderes”, ressalta Velloso.

Essa característica também é destacada pelo desembargador Kildare Carvalho, do TJMG. “Por ser uma Constituição de princípios, de justiça social e de direitos fundamentais, o texto promulgado em 1988 é um marco em nosso constitucionalismo democrático”, afirma Gonçalves.

O magistrado, porém, assinala o problema da falta de efetividade, que, de acordo com ele, não depende apenas do que se acha expresso no texto constitucional, mas, sobretudo, de uma legislação regulamentadora e da formulação e execução, pelo Executivo, de políticas públicas adequadas. “O Judiciário vem cumprindo sua parte, pois tem viabilizado, mediante uma interpretação construtiva e democrática da Constituição, que direitos e garantias sejam assegurados, à falta de leis e de providências normativas”, ressalta Kildare Gonçalves.

Um caso de amor

Essa falta de efetividade pode ser fruto, em parte, pelo que é apontado pelo professor Ronaldo Brêtas como um entre o hiato existente entre o povo e a Constituição. Para ele, é preciso criar um sentimento constitucional na população, que seria quase como “chamado de ‘um caso de amor com a Constituição”.

“Qualquer Constituição nunca será perfeita, mas, para que esses defeitos possam ser contornados e para que a Carta Magna possa ser eficaz, é preciso que o povo – e quando digo povo estou me referindo a governantes e governados – tenha um sentimento constitucional concretizante. Um espírito cívico-político que todos devem ter, no sentido de zelar pelo cumprimento da Constituição”, afirma Brêtas.

Para imprimir esse sentimento na população, Ronaldo Brêtas sugere que seja introduzida nos currículos escolares, dos ensinos fundamental e médio, uma disciplina que poderia ser chamada de ‘estudos constitucionais’ ou de ‘direitos fundamentais e cidadania’, para que os jovens aprendam a valorizar a importância da Constituição.


Problemas
O advogado Ives Gandra da Silva Martins aponta como um dos principais problemas da Constituição a formatação federação. “ O custo político da federação, que gera uma carga tributária ciclópica e de difícil reversão é o que está travando o desenvolvimento do país. Três Estados e 1600 municípios criados após 1988, com alargamento dos Ministérios e estruturas burocráticas afogam o Brasil”, diz Gandra.

O desembargador Kildare Carvalho aponta como uma das mudanças que ainda deveriam ser feitas uma reforma do sistema federativo brasileiro. Segundo ele, isso contribuir para maior desempenho dos Estados e Municípios na construção de alternativas para o desenvolvimento de suas potencialidades e, com isso, viabilizar a implementação descentralizada de políticas sociais e ambientais.

As emendas provisórias são outro aspecto controverso da Constituição de 1988. Instrumentos característicos dos sistemas parlamentaristas de governo, elas foram mantidas no texto constitucional, mesmo ficando aprovado o sistema presidencialista nas votações finais. Para o advogado José Alfredo Baracho de Oliveira Júnior, pode ser interessante a dotação de um instrumento legislativo ao Poder Executivo, mas deveria haver um controle mais agudo dessa medida por parte do Legislativo. “Isso daria um controle político na adição de medidas provisórias, o que no Brasil não existe, e que o levou a diversos excessos”, afirma Baracho Júnior.

Constituinte


A opinião dos juristas também converge quando o assunto são as reformas constitucionais. Eles acreditam que são necessárias diversas mudanças, como, por exemplo, a reforma política, recentemente levantada pelo Governo Federal como resposta às manifestações populares. A proposta, porém, era de que fosse feita uma constituinte exclusiva para a reforma, o que não é considerado adequado pelo desembargador Kildare Carvalho. “Penso que o modo de reformar a Constituição se acha previsto no seu art. 60, que trata do processo de emenda, com a definição dos titulares da iniciativa de proposta da emenda, dos limites procedimentais, matérias e formais. A formação de uma Constituinte exclusiva, com o objetivo de se promover uma reforma política, cujos modelos são em grande número, não me parece justificável”, argumenta o magistrado.

Para o professor Ronaldo Brêtas, a reforma política exigirá mais leis ordinárias. “Para que se possa dar constitucionalidade, é preciso algumas alterações na Constituição. Contudo, não há necessidade de uma nova constituinte para isso”, pondera Brêtas.

Na avaliação do ministro Carlos Velloso, com as manifestações, a população não pedia reforma da Constituição, mas reforma de práticas governamentais, onde a corrupção está presente. “Sob o ponto de vista da teoria geral do Direito Constitucional, falar em constituinte exclusiva é um disparate próprio do denominado constitucionalismo bolivariano, que, na verdade, não passa de um meio para conquista do poder, ou sua perpetuação e a implantação de governos populistas”, alerta Velloso.


A Constituição mais efêmera de nossa história

Ficou registrado na historiografia tradicional do Brasil que já foram sete as Constituições de nosso país, uma no Império (1824) e outras seis na República (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988). Umas foram mais duradouras e outras, menos. Mas uma delas não costuma constar na maioria dos trabalhos ou listas sobre as Constituições brasileiras. A explicação para essa ausência talvez resida no fato de que tenham transcorrido apenas 24 horas entre sua promulgação e sua revogação.

O juiz Juarez Morais de Azevedo, da Vara Criminal de Nova Lima, descobriu a história do decreto da Constituição de 1821 em aula na Universidade de Lisboa, em estudos para seu curso de mestrado, em 2008. Após uma extensa pesquisa, porém, o magistrado encontrou referência sobre essa Constituição apenas na obra “O constitucionalismo espanhol e seu influxo no Brasil: de Cádiz a Moncloa”, do professor Paulo Bonavides.

Em 1821, enquanto havia trabalhos de elaboração de uma Constituição nas Cortes portuguesas, em Lisboa, D. João VI enfrentava, no Brasil, uma onda de manifestações com forte agitação popular. Isso levou-o a assinar o “Decreto del 21 de abril de 1821”, determinando que a Constituição espanhola de 1812 (Constituição de Cádiz) fosse estrita e literalmente observada no Brasil até que fossem finalizados os trabalhos constituintes em Portugal (que terminariam somente em 1822).

Contudo, no dia seguinte, em 22 de abril de 1821, quando já cessadas as manifestações, D. João VI assinou outro decreto, revogando o anterior, tendo esta Constituição, portanto, vigorado por meras 24 horas.