A Constituição mineira acaba de completar 25 anos e, mesmo em plena juventude, soma plásticas dignas de uma senhora. Apesar de ser considerada referência para os demais estados e reconhecida pelo perfil inovador, a Carta Mineira, promulgada em 1989, já recebeu 93 emendas, média de uma modificação a cada três meses. O número supera as 84 mudanças da Constituição Federal, um ano mais velha. Também é o triplo das alterações sofridas pela Constituição dos Estados Unidos, com 227 anos e apenas 27 emendas.

A interferência dos legisladores mineiros tornou o conjunto de normas que rege o estado um dos mais remendados do país. Um fato que entristece quem participou da elaboração da primeira das constituições estaduais. “Lamento as inúmeras emendas porque, quando a Constituição foi promulgada, foi considerada referência no Brasil”, afirma o deputado estadual Bonifácio Mourão (PSDB). Segundo ele, tantas mudanças têm relação com o fato de que elas dispensam a sanção do governador.

E a tendência é de que as alterações continuem a todo vapor. Apenas na fila para serem analisadas e votadas em plenário há 16 propostas de emenda à Constituição (PEC) tramitando na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). As sugestões de mudanças abordam questões que vão desde trânsito a funcionalismo público.

De acordo com o consultor da ALMG Antônio Calhau, organizador e um dos autores do livro 25 anos da Constituição Mineira de 1989, há no estado uma cultura voltada para legislar em demasia, sem se preocupar com a qualidade das leis e com a fiscalização. “Quanto mais se altera a Constituição, pior fica o texto. Os deputados propõem emenda para deixar sua marca como mentor intelectual. Não temos uma cultura de fiscalização. Existe também uma subserviência do Legislativo ao Executivo”, reforça o estudioso.

Para alterar o texto constitucional, a proposta deve ter, além de um mínimo de 26 deputados como autores – um terço do quórum –, a aprovação de três quintos do total de 77 parlamentares. Os critérios visam dificultar as alterações, embora na prática isso não tenha ocorrido. “A possibilidade de emenda existe precisamente para preservar a Constituição, adaptando-a às inevitáveis mudanças sociais. Contudo, o excesso de emendas acaba por banalizar o texto constitucional, gerando assim um efeito contrário ao pretendido”, afirma o mestre em direito constitucional e professor da Faculdade Arnaldo Janssen, José Alcione Bernardes Júnior, também consultor da ALMG. “O excesso de normas, tanto no plano federal quanto no estadual, reflete uma visão simplista e equivocada de que a lei tudo resolve”, completa.

Voto secreto Nessa enxurrada de mudanças, apesar de serem minoria, há emendas que melhoraram a Constituição. Antônio Calhau cita como um avanço a Emenda 91, que extinguiu o voto secreto na Assembleia Legislativa, no ano passado. “Na administração pública não existe espaço para segredo. Essa foi uma forma de prestigiar o princípio da publicidade e a transparência do poder público”, avalia Calhau. Ele também aponta que a PEC 57, pronta para ser votada em plenário, será uma evolução. A proposta autoriza que a emenda à Constituição seja feita por iniciativa popular.

Por outro lado, não faltam exemplos de mudanças que não trouxeram qualquer inovação ou não seriam assuntos para serem tratados na Carta Mineira. O consultor da ALMG aponta a Emenda 52, de 2001, que extinguiu o cargo de carcereiro na estrutura da Polícia Civil. “Isso pode ser feito em lei, não é matéria para tratar em Constituição. A emenda acabou sendo considerada inconstitucional”, afirma Calhau.


Outro caso é a Emenda 67, de 2004, que criou um fundo com a finalidade de preservar a Bacia do Rio São Francisco. “Por que não foi criado diretamente esse fundo? É uma perda de tempo”, critica. Na lista de alterações desnecessárias, Calhau também cita a Emenda 86, de 2011, que introduziu como objetivos prioritários do Estado a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais. “Isso já consta na Constituição Federal. Está reproduzindo de forma desnecessária”, diz.

Segundo o professor José Alcione Bernardes Júnior, a repetição de conteúdo da Constituição federal é um problema comum entre as constituições estaduais. “Viram praticamente uma cópia”, afirma. Para Bernardes Júnior, é preciso rever o pacto federativo, pois o atual modelo reduz o espaço de atuação do estado. “Os estados ficam comprimidos entre a União e os municípios”, reforça.

Fonte: Estado de Minas