O sistema de monitoramento telefônico de criminosos presos na região de Presidente Prudente, no interior paulista, é feito em uma central de interceptação gerida pelo Ministério Público de São Paulo e operado pela Polícia Militar. A afirmação do coronel da reserva Homero de Almeida Sobrinho, interrogado em fevereiro para responder sobre suspeitas não confirmadas de participação em operações de espionagem clandestina. As informações são do site de notícias IG. As interceptações feitas pelo Ministério Público já têm sido alvo de severas críticas por advogados, conforme noticiado pela revista Consultor Jurídico. Agora, chega a nova informação de que a PM também tem participado das investigações.
“Funcionou e funciona na sede do referido Comando de Polícia Militar (Presidente Prudente) um trabalho de interceptação telefônica de exclusiva competência, controle e responsabilidade do Ministério Público”, diz o militar Almeida Sobrinho.
No depoimento, o coronel Homero de Almeida Sobrinho responsabiliza o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) de Presidente Prudente, pela escuta e diz que a “colaboração” da PM foi designar um grupo de 40 policiais para atuar na sede do Comando de Policiamento do Interior (CPI) da cidade.
A corporação, segundo ele, cedeu efetivo e os recursos materiais necessários para grampear aparelhos, gravar e transcrever conversas de criminosos dentro e fora das penitenciárias da região.
“O atual secretário de Segurança Pública, Dr. Fernando Grella, desde a época em que era procurador-geral de Justiça sempre teve pleno conhecimento da existência desse trabalho do Gaeco e fazendo uso das instalações e efetivo do CPI de Presidente Prudente, tendo inclusive visitado por duas vezes, quando na função de procurador-geral de Justiça, o local de funcionamento do trabalho de interceptação telefônica”, disse o coronel.
Segundo ele, o atual procurador de Justiça, Márcio Fernando Elias Rosa, acompanhou Grella na ocasião. Almeida Sobrinho procura, no depoimento, sustentar a legalidade do procedimento. E faz questão de registrar que na primeira quinzena de janeiro de 2013, o atual comandante geral da PM, coronel Benedito Roberto Meira, numa visita em que acompanhou Grella, afirmou em entrevista à imprensa de Presidente Prudente que “o serviço de interceptação telefônica” teria continuidade.
O depoimento foi prestado no dia 8 de fevereiro na delegacia seccional de Presidente Prudente ao delegado José Carlos de Oliveira Júnior, em inquérito encaminhado às autoridades da capital cujo desfecho é mantido em segredo para não influir na votação da Proposta de Emenda Constitucional 37. A emenda pode retirar do Ministério Público o papel de investigação atribuído pela Constituição às polícias.
PM vs Polícia Civil
A central está no meio da guerra travada entre as forças de segurança contra o Primeiro Comando da Capital (PCC) e do conflito institucional envolvendo PM e Polícia Civil de São Paulo, além de colocar em debate o poder de investigação do Ministério Público, que gere a central.
Sob o argumento de que havia altos índices de corrupção na Polícia Civil, atribuições de investigação sobre o PCC foram passadas à Polícia Militar, responsável legal pela prevenção e controle ostensivo da segurança. A mudança deu um duplo papel à PM, o de investigar e, ao mesmo tempo, combater o crime.
Em dezembro de 2012, diante das notícias de espionagem clandestina publicada nos jornais, a presidente da Associação dos Delegados do estado de São Paulo, Marilda Pansonato Pinheiro, pediu a abertura de investigação. O ofício foi encaminhado à Delegacia Seccional de Presidente Prudente e resultou no interrogatório do coronel e num depoimento, por ofício, do promotor Lincoln Gakiya.
O promotor confirma as declarações do militar, nega qualquer irregularidade e, em sua defesa, diz que as interceptações telefônicas, protegidas por sigilo, foram autorizadas pela Justiça e são de sua inteira responsabilidade. Gakiya afirma que a PM presta apoio, como fazem também as polícias civil e federal, mas sustenta que as investigações são conduzidas e presididas pelo MP, sob o crivo do Judiciário.
Segundo ele, tanto a denúncia da suposta existência da central clandestina — baseada em denúncia anônima — quanto às alegações de que não há amparo legal no uso da PM são posições corporativistas dos policiais para garantir reserva de mercado e isonomia salarial. O secretário de Segurança, Fernando Grella, informou, através da assessoria de imprensa, que todas as escutas são autorizadas pela Justiça.
O procurador Elias Rosa diz que o MP é responsável pela atuação da PM, afirma que não há irregularidade e que os grampos têm controle jurisdicional.
Segundo a delegada as declarações do coronel Homero de Almeida Sobrinho “colocam no papel” o que era mera suspeita. “O depoimento do coronel é surpreendente. Ele confessa uma atividade manifestamente ilegal e afrontosa ao estado democrático e aos direitos individuais: a PM não pode fazer investigação, muito menos quando envolve grampo telefônico”, afirma. Ela ressalta que o fato de a justiça autorizar não significa que as investigações devam ser feitas pela PM e nem protege direitos individuais.
Ainda segundo a delegada, a central de Presidente Prudente é apenas a ponta do iceberg de um sistema de espionagem ilegal, com fachada institucional, que contaminou toda a máquina do Judiciário paulista, dividiu os órgãos de segurança e se transformou em marca da política de segurança do governador Geraldo Alckmin. “Por ordem do ex-secretário Ferreira Pinto, o Guardião (sistema de grampo) que era operado no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) foi transferido para a Rota. Daí se pode entender o que aconteceu no caso do ‘tribunal do crime’ em que a Rota atuou em Várzea Paulista”, diz a delegada.
Em setembro do ano passado, pelotões da Rota invadiram uma chácara no município de Várzea Paulista, a 60 quilômetros da capital, onde integrantes do PCC “julgavam” um criminoso acusado de estupro. No confronto, foram mortos oito criminosos e o “réu” que a polícia diz ter ido salvar. Nenhum dos 40 militares que participaram da ação saiu ferido. Ferreira Pinto e o governo atribuíram a descoberta do “tribunal” a uma denúncia anônima.
Fonte: Conjur