Só se pode pensar o hoje fazendo um retorno pelo passado. Com essas palavras, a professora, doutora e juíza da Justiça Militar de Minas Gerais Daniela de Freitas Marques abriu sua aula com o tema “Desafios contemporâneos da magistratura”. A atividade integra o curso de Sociologia Judiciária, coordenado pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e ministrado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A professora discorreu sobre a figura do juiz ao longo do tempo e da história. Falou da visão do juiz como autoridade e como mito, do estabelecimento do inquérito como prática judiciária e da estruturação do Poder Judiciário, atrelado, inicialmente, ao Poder Econômico e às Forças Nacionais. Explicou que a Justiça vem sendo, ao longo da história, representada por símbolos diversos. A visão do símbolo valia mais do que o texto. Com o passar do tempo, as estruturas emblemáticas vão sendo substituídas pelo texto. Hoje, os textos assumem uma nova figuração e as possibilidades reais de imagem, como as videoconferências, permitem o retorno às imagens do século XVI. É a concepção do tempo circular, onde o passado tende a revisitar o presente, comentou.

O Humanismo e o Renascimento inauguram uma época de revalorização do homem e de todas as suas falhas, destacou a professora, que fez uma viagem pela literatura, sociologia e mitologia, para falar da figura do juiz. Discorreu sobre a visão de uma justiça rígida, séria, que não admitia o riso, considerado sinônimo de subversão e próprio das camadas populares, de decisões baseadas em argumentos de pura autoridade, do direito como retórica de controle e força. Ainda conforme a professora, François Rabelais, escritor e médico do Renascimento, em sua obra “Pantagruel”, conta a história de um juiz que decidia a sorte das partes por meio de um jogo de dados. O escritor critica o direito, entre outras ciências, como figura de autoridade e já, naquela época, faz referência à conciliação.

Conceitos atuais

Citando Miguel de Cervantes, a professora falou de conceitos atuais do direito já observados em Dom Quixote de La Mancha, da importância mítica do Júri e de sua disposição religiosa. Contos como O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, e O Moleiro de Sans-Souci, de François Andrieux, que também fazem alusão à figura do juiz, foram lembrados pela professora. Nesse último, a ousada resposta “Ainda há juízes em Berlim”, demonstrando a disposição de um moleiro em litigar contra o rei da Prússia, passou para a história o símbolo da independência possível e desejável da Justiça.

Os dramas atuais dos juízes, que devem obedecer ao direito posto e também ter capacidade de intuir, de ver além da norma, também mereceram destaque na palestra. Daniela Freitas abordou também filmes como “O Julgamento de Nuremberg”, que narra a história de autoridades que cometeram crimes ao aplicar as leis nazistas. Falou de uma “tortura aceitável”, onde os conceitos de cultura e erudição na acompanham sentimentos como compaixão e perdão. Entre outras questões, ela destacou o grande volume de informações dos tempos atuais convivendo com a falta de diálogo.

Oferecido nas modalidades presencial e a distância, o curso é direcionado a magistrados e servidores e tem carga horária de 20h, dividida em cinco encontros. A próxima aula será no dia 21 de outubro. O curso é credenciado na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) para fins de promoção na carreira.


Fonte: TJMG