A iniciativa de integrantes do Ministério Público Federal de reabertura da questão da não extensão da anistia concedida pela Lei 6.683/79 aos agentes públicos que cometeram crimes de sequestro ou de tortura durante a “Ditadura Civil-Militar Brasileira” (1964-1985) não tem possibilidade de prosperar, em face da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, em 29/4/2010, no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 153), proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil.
O entendimento é de ministros do próprio STF, e tem como base o acórdão daquele julgamento, no qual, por 7 votos a 2, a maioria qualificada reafirmou que a anistia concedida pela lei de 1979 era mesmo “ampla e geral”, incluindo até os acusados de crimes hediondos como os de tortura, homicídio, desaparecimento forçado e abusos sexuais praticados por militares e outros agentes públicos durante a ditadura.
O voto condutor foi o do relator, Eros Grau, para quem a interpretação de qualquer norma legal de anistia tem de ser “ampla e generosa”, sendo ainda inarredável a necessidade de se interpretar a realidade do momento histórico em que foi editada. Além disso, o Judiciário não está autorizado a alterar qualquer texto legal; não pode “reescrever leis de anistia”.
O voto de Grau, de 76 páginas, foi acompanhado pelos ministros Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Cármen Lúcia. Ficaram vencidos os ministros Ayres Britto e Ricardo Lewandowski. Não participaram do julgamento os ministros Dias Toffoli, impedido por ter atuado no processo quando ainda era advogado-geral da União, e Joaquim Barbosa, licenciado para tratamento de saúde.
Acórdão
Os principais trechos do acórdão, que constitui jurisprudência firmada pelo STF, são os seguintes:
“O argumento descolado da dignidade da pessoa humana para afirmar a invalidade da conexão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos ou não, durante o regime militar, não prospera”.
“A lei estendeu a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção; daí o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que somente não foi irrestrita porque não abrangia os já condenados — e com sentença transitada em julgado, qual o Supremo assentou — pela prática dos crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”.
“A Lei 6.683/79 precede a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes — adotada pela Assembleia Geral em 10/12/1984, vigorando desde 26/6/1987 — e a Lei 9.455, de 7/4/1997, que define o crime de tortura; e o preceito veiculado pelo artigo 5º, 43, da Constituição — que declara insuscetíveis de graça e anistia a prática de tortura, entre outros crimes — não alcança, por impossibilidade lógica, anistias anteriormente à sua vigência consumadas. A Constituição não afeta leis-medida que a tenham precedido”.
“No Estado democrático de direito, o Poder Judiciário não está autorizado a alterar, a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo. Pode, a partir dele, produzir distintas normas. Mas nem mesmo o Supremo Tribunal Federal está autorizado a reescrever leis de anistia”.
Fonte: Jornal do Brasil