O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro em prever que um menor só pode ficar apreendido por 45 dias até a sentença do juiz. Porém esse tempo tem sido insuficiente para que o Instituto de Criminalística (IC) de Belo Horizonte realize perícias que comprovem, em casos de suspeita de tráfico de drogas, que a substância encontrada com o jovem trata-se mesmo de entorpecente. Sem o laudo, é necessária a soltura.
Atualmente, cerca de 90% dos exames em entorpecentes apreendidos no Estado são realizados na capital. Por mês, nove peritos são responsáveis por fazer 3.600 testes toxicológicos no IC, sendo que, quando a suspeita é droga, são necessários dois: um preliminar e outro definitivo. Com base neste último, o profissional emite um laudo atestando se a substância é ou não psicoativa. Essas duas etapas são executadas em detenções por uso ou tráfico e são demandadas principalmente pelo delegado de Polícia Civil, tanto para adolescente quanto adulto.
Alegando sobrecarga, o diretor do instituto, Marco Paiva, admitiu atraso nos exames, que acarretou na liberação de adolescentes em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, Almenara, no Vale do Jequitinhonha, e em algumas cidades do Sul de Minas. Entretanto, ele não soube precisar quantos adolescentes foram liberados e desde quando isso vem ocorrendo.
Segundo o promotor de Justiça de Santa Luzia, Ary Pedrosa Bittencourt, o IC chega a demorar quase três meses para liberar um laudo. “Estavam acontecendo alguns episódios. O prazo é de 45 dias (para a sentença), mas o Instituto de Criminalística estava liberando esses laudos com 90 dias”, relatou. Em um dos casos, o promotor contou que as testemunhas já tinham sido ouvidas, o adolescente já havia sido interrogado, e faltava só o laudo, que não chegou a tempo, e ele foi solto.
Bittencourt ressaltou que, depois da soltura, o processo do adolescente deixa de ser prioritário e ele só é sentenciado com a chegada do laudo. “O menor volta para o meio onde estava, e a possibilidade de reincidência é maior. Ele sente que ficou impune”. Ainda conforme o promotor, a Polícia Civil já deveria ter se adequado ao tempo determinado em lei. “Esse prazo de 45 dias é previsto no ECA há 24 anos. O Instituto de Criminalística tem que ter ciência desse tempo para fazer o laudo no período. Caberia ao instituto, há muito tempo, se adequar a isso”, enfatizou.
A reportagem de O TEMPO tentou repercutir o assunto com a Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj), mas, até o fechamento desta edição, a assessoria de imprensa do órgão desconhecia as situações descritas na matéria e preferiu não se posicionar.
Alternativas. Para amenizar a situação, desde o fim do mês passado, o instituto tem tentado priorizar casos que envolvam menores e, na sequência, suspeitos de tráfico com detentos adultos presos.
Uma medida aventada para desafogar o IC é o fim do teste definitivo para a ocorrência que o delegado entender ser de uso. Por se tratar de um crime de menor potencial ofensivo, já não há prisão e o usuário é levado ao Juizado Especial, onde é acordada uma transação penal, como pagamento de multas, prestação de serviços comunitários ou comparecimento ao fórum.
Essa proposta será apresentada em julho aos magistrados do Juizado Especial de Belo Horizonte. “Devemos estabelecer um protocolo de forma que o cumprimento da medida determinada na transação penal torne dispensada a necessidade do exame toxicológico”, explicou o promotor Jorge Tobias de Souza, coordenador de Combate e Repressão ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes do Ministério Público. Se essa sugestão for acatada, segundo Souza, o sistema ganhará tempo para usar nas ocorrências envolvendo menores. Na avaliação do IC, poderá haver uma redução de até 50% de exames.
Souza disse que essas propostas de reorganização do sistema saíram de uma reunião realizada em 25 de maio com o diretor do IC, Marco Paiva, e o promotor de Santa Luzia, Ary Pedrosa Bittencourt.
Fonte: O Tempo