O centenário da morte de Rui Barbosa e o legado do jurista baiano para a democracia brasileira são tema dos artigos publicados pelo desembargador Rogério Medeiros e o juiz Renato César Jardim na Revista Decisão. Leia abaixo os artigos: 

 

Rui Barbosa, patrono dos advogados brasileiros 

Rogério Medeiros Garcia de Lima

Em 1º de março de 2023, completou-se o centenário do falecimento de Rui Barbosa, ocorrido em Petrópolis (RJ). É considerado o patrono dos advogados brasileiros. Rui nasceu em Salvador (BA) no dia 5 de novembro de 1849.

Iniciou o curso jurídico em Recife (PE), mas transferiu-se para a Faculdade de Direito de São Paulo, onde se formou em 1870. Radicou-se no Rio de Janeiro, cidade na qual construiu fulgurante carreira como advogado, jornalista, escritor e político.

Republicano convicto, Rui Barbosa foi o arquiteto jurídico do regime instaurado com a derrubada da Monarquia em 1889. Redigiu a Constituição promulgada em 24 de fevereiro de 1891, inspirada no modelo republicano e federalista dos Estados Unidos da América do Norte.

Todavia, opôs-se ao autoritarismo instalado por Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”. Impetrou vários habeas corpus em favor de cidadãos presos pelo governo. Publicou candentes artigos antigovernamentais pela imprensa.

Em 1893, exilou-se em Londres, Inglaterra. Era vigoroso defensor das liberdades individuais. Verberou o processo Dreyfus, um escandaloso erro judiciário ocorrido na França (1895).

Rui engendrou a famosa “doutrina brasileira do habeas corpus”. Ampliava a finalidade histórica do writ para além da restauração da liberdade de ir, vir e permanecer. Ela passava a abranger outros direitos subjetivos (por exemplo, cassações de mandatos, demissões sumárias, aposentadorias compulsórias etc.). Encontrou intrépido aliado na figura de Pedro Lessa, mineiro do Serro, jurista e ministro do Supremo Tribunal Federal.

Essa doutrina inspirou a criação do mandado de segurança pela Constituição da República de 1934 (Aliomar Baleeiro, in O Supremo Tribunal Federal: esse outro desconhecido, Rio de Janeiro, Forense, 1968, p. 79-82).

O jurista baiano também brilhou na 2ª Conferência da Paz, realizada em 1907, na cidade holandesa de Haia. Representou o Brasil, indicado pelo ministro das Relações Exteriores, Barão do Rio Branco. Ao defender eloquentemente a igualdade jurídica das nações soberanas, recebeu o epíteto de “Águia de Haia”.

Rui repudiava o denominado “crime de hermenêutica”:

“Nenhum tribunal, no aplicar da lei, incorre, nem pode incorrer, em responsabilidade, senão quando sentencia contra as suas disposições literais, ou quando se corrompe, julgando sob a influência de peita ou suborno. (...) Fora daí não há justiça, não há magistratura, não há tribunais” (Rui Barbosa, O STF na Constituiçãoin Escritos e discursos seletos, Rio de Janeiro, Gallimard, 1997, p. 557).

Encerro este texto com expressiva frase do grande advogado brasileiro: “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”

*Desembargador do TJMG

 

Rui Barbosa: um estadista do civilismo

Renato César Jardim*

Considerado um dos mais notáveis intelectuais brasileiros, Rui Barbosa foi um gigante de 1,58m de altura que fez a diferença e navegou por diversos mares na luta pelas causas liberais. Um homem nobre, inteligente, de senso ético e moral acima de qualquer contestação e que deixou um imenso legado para a cultura brasileira.

Em verdade, Rui Barbosa foi um verdadeiro polímata, aquele que é capaz de atingir a excelência em diversas áreas do conhecimento. Foi jurista, político, jornalista, filólogo, escritor, diplomata, tradutor e fundador da Academia Brasileira de Letras.

Rui Barbosa foi um intransigente defensor da causa abolicionista juntamente com Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Luiz Gama (com quem fundou o jornal “Radical Paulistano”) e Castro Alves, este seu colega no Ginásio Baiano e nas Faculdades de Direito do Recife e de São Paulo.

Com a Proclamação da República, em 1889, Rui Barbosa teve atuação de relevo na formação do novo governo e na elaboração da primeira Constituição da República (1891). Na condição de grande artífice da Constituição de 1891, suas ideias fizeram emergir a forma federativa de estado, a forma republicana de governo, bem como o estabelecimento da independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Em 1893, Rui Barbosa fez corajosa campanha contra Floriano Peixoto e acabou por ser injustamente acusado de envolvimento na revolta armada. Sentindo o peso das ameaças, refugiou-se na embaixada do Chile e, depois, exilou-se na Argentina e na Inglaterra.

A consagração definitiva de Rui Barbosa se deu na II Conferência de Paz em Haia, Holanda, em 1907. A conferência objetivava a criação de um tribunal internacional para a resolução de conflitos entre países com o escopo de se evitar a guerra. A proposta inicial era de que somente as chamadas grandes nações fizessem parte e que pudessem julgar por todas as nações. Mas Rui Barbosa ergueu sua voz contra a proposição. Defendeu o princípio da igualdade entre as nações soberanas.

Em duas ocasiões candidatou-se à Presidência da República, mas foi derrotado por candidatos apoiados pelas oligarquias estaduais. Em 1910, lançou-se candidato presidencial e iniciou a conhecida campanha civilista, que apregoava a candidatura de um civil contra a presença militar no poder.

Se no Executivo não colheu os frutos desejados, no Parlamento, Rui Barbosa se destacou, notadamente no Senado. Atuou na defesa do civilismo, da democracia, sempre com coragem e altivez. Passou 45 anos de sua vida no exercício de cargos eletivos, sendo 32 anos no Senado Federal. É patrono do Senado, do Tribunal de Contas da União e da Advocacia. O Dia Nacional da Cultura (5 de novembro) é a data do seu nascimento.

*Juiz aposentado, presidente do Conselho Editorial da Revista MagisCultura