Um livro reunindo depoimentos de adultos que, na infância e ou na adolescência, por determinação da Justiça, viveram em instituições em Minas Gerais. Esse foi o tema da entrevista concedida pelo desembargador Wagner Wilson, superintendente da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), à rádio Inconfidência. A entrevista foi ao ar na quarta-feira, 25 de maio, no programa Conexão Inconfidência.

Durante a entrevista à apresentadora Aline Louise, o desembargador divulgou o edital da Coinj que convoca ex-institucionalizados em Minas, maiores de 21 anos, a relatarem suas vivências nas instituições. Os relatos devem ser enviados, até 31 de maio, para o e-mailcontesuahistoria@tjmg.jus.br. Eles serão selecionados pela coordenadoria e integrarão um livro. “A ideia é que as pessoas contem os fatos positivos e os negativos dessa passagem por essas instituições. Pode ser que, em algum momento, por exemplo, uma frase que uma criança ouviu de alguém tenha sido decisiva para ela. Queremos conhecer essas vivências”, explica.

De acordo com o desembargador, a iniciativa, batizada de “Conte sua História”, tem por objetivo mostrar às autoridades que lidam com crianças e adolescentes e à sociedade o que é a vida nas instituições, de modo a provocar uma reflexão sobre o tema e uma melhoria na assistência a meninas e meninos que vivem em abrigos. “Muitas vezes, o juiz e o promotor acham que basta colocar uma criança na instituição e a situação dela está resolvida. De fato, a criança pode estar correndo risco em casa e é preciso protegê-la. Mas, para essa criança, a institucionalização muitas vezes é o início de outro problema. A relação entre o menor e a instituição é efêmera, a instituição não é uma família”, avalia.

Abandono: maior mal do mundo

Aos ouvintes, o desembargador explicou que a maioria dos meninos e meninas enviados para instituições são vítimas de abandono. “O abandono é o maior mal do mundo globalizado; ele fere e mata, mais do que a guerra. E é o principal motivo da institucionalização: o abandono moral, o abandono material, o abandono afetivo. Mas existem outras situações, como a violência física e a violência sexual”, revela. Na visão do desembargador, o drama que a vida na instituição impõe à criança vítima de violência é que, muitas vezes, o agressor permanece em liberdade, pelo próprio processo penal brasileiro, enquanto ela é presa, internada em um abrigo e, às vezes, esquecida ali.

O ideal, explica o desembargador, é que seja possível, em algum momento, o retorno do menor à família biológica ou à família extendida (algum parente – avó, tia, por exemplo, que tenha forte afinidade com a criança). Em seguida, vem o recurso da família substituta, por meio do processo da adoção. Mas, explicou o desembargador, há crianças para as quais não há pretendentes, tendo em vista o perfil de adoção do brasileiro, que apenas agora começa a mudar. Normalmente, os brasileiros preferem adotar recém-nascidos. Grupo de irmãos que não podem ser separados, crianças com deficiência ou mais velhas dificilmente são adotadas.

Entre outros pontos, durante a entrevista o desembargador fez referência à redução da maioridade penal, tema em discussão na sociedade brasileira, e citou um dado da Unicef, indicando que 22 menores são mortos por dia, no Brasil, vítimas da violência. “Quando dizem que esses adolescentes não são punidos, é um pecado. Querem uma pena maior que a capital para essas crianças? Nós nos indignamos com a violência, mas não há uma indignação da sociedade contra os crimes que são praticados diariamente contra esses menores, vítimas de abandono e do descaso. Ninguém vê a luta dessas crianças e adolescentes pela própria sobrevivência, às vezes dividindo espaço nos lixões com urubus e porcos, para conseguir o que comer. É um crime da sociedade, mas ninguém se indigna com isso”, declarou.

Por fim, o desembargador, além de convocar ex-institucionalizados a relatarem suas experiências de vida, convocou a sociedade a enfrentar a problemática da infância e da juventude. “Precisamos ter um olhar mais importante para essas instituições que acolhem esses meninos e meninas. Acredito que o livro com as histórias de quem viveu nesses abrigos poderá contribuir para o trabalho das autoridades que lidam com crianças e adolescentes. É nosso dever protegê-los; é dever da família e do Estado, mas também de toda a sociedade”, concluiu.

Confira o edital da Coinj sobre o projeto Conte sua História.

Fonte: TJMG