Formado em Direito pela PUC Minas, Doorgal Andrada é magistrado há 19 anos. Foi delegado de polícia, promotor de justiça, professor universitário, presidente da Amagis e vice-presidente da AMB por 2 mandatos . Atualmente, é diretor da Escola Judicial da America Latina (EJAL), conselheiro da Rede Latino-america de Juízes (REDLAJ) e um dos coordenadores da Escola Nacional da Magistratura (ENM/AMB). Confira a entrevista:
Como explicar a disposição e até coragem em aceitar cooperar num país tão carente, na Ásia, abdicando do conforto de Belo Horizonte?
Talvez a melhor resposta venha das poesias de Fernando Pessoa, que há 50 anos escreveu: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena". De fato, não apenas as questões materiais devem mover nossas vidas. Além disso, trabalhar com o Direito português e indonésio, em contato por um ano com outras culturas jurídicas aliado a uma missão humanitária, será uma experiência que não se obteria aqui. Vejo isso como um dado importante no moderno contexto do estudo multidisciplinar do Direito. A aceitação do convite foi uma escolha decidida com total tranquilidade após muito pensar.
Qual vai ser sua área de atuação e de trabalho naquele país?
Eu sei que estarei assumindo a responsabilidade de participar e contribuir na reconstrução administrativa, judicial, política e estrutural do Poder Judiciário e na organização das eleições presidenciais de 2012, que sempre são muito tensas. A cooperação será um difícil, mas prazeroso, desafio. Portanto , mais do que meras palavras, mergulhar na realidade do Timor-Leste será uma oportunidade ímpar. Ademais, ser solidário com quem muito necessita é agir e trabalhar sem egoísmo. Terei que tentar transferir toda a vivência sobre o Judiciário na tentativa de fazer o que for melhor para agregar valores e transmitir conhecimentos. Penso que os povos e a vida não oferecem fronteiras para quem deseja auxiliar e se dedicar a boas causas. Aliás, recebe-se em troca conhecimentos inovadores e profundas experiências, qualquer que seja a missão.
Quanto ao idioma, qual é o predominante nos processos judiciais no Timor-Leste ?
Pelas informações que obtive com magistrados, procuradores da república e defensores brasileiros que lá trabalharam, embora o tétum e o português sejam as línguas oficiais do país, os processos de um modo geral são escritos em português, de forma predominante. Isso porque o tétum - que é uma língua nativa - não possui variedade de palavras com significados jurídicos. Mas sei que na rua e no trabalho ainda há quem só fale indonésio ou o inglês. O português talvez seja falado por cerca de 25% da população. Soube que existem também mais de 20 línguas nativas diferentes, faladas nas aldeias das montanhas. Outra curiosidade é que 95% da população é católica, portanto cristã, embora seja um país asiático.
O Timor-Leste tem apenas 11 anos de independência. Ele já tem suas leis básicas?
Sim, após a independência e rompimento com a Indonésia, em 1999, e a elaboração da Constituição de 2002, já foram aprovados os principais códigos, faltando apenas o Código Civil, que já possui um anteprojeto em andamento. A cultura jurídica do Timor-Leste é bem próxima da dos portugueses por ter sido colônia portuguesa por mais de 400 anos. Em cooperação com a ONU, lá trabalham alguns juízes, defensores e promotores oriundos de Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde, que são países com cultural jurídica aproximada da portuguesa. Mas não temos magistrados brasileiros atuando por lá desde 2008.
O que significa o Acordo de Cooperação Internacional articulado pela ONU entre Brasil e o Timor-Leste?
O acordo baseia-se na solidariedade entre os povos e permite que o Ministério das Relações Exteriores, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), leve o Brasil a apoiar a reconstrução do poder judiciário do Timor-Leste, indicando nomes de magistrados e servidores da Justiça para serem selecionados, e também com a participação da Defensoria e do Ministério Público. A ideia é ser útil, servir, transferir e agregar valores, dando amplo auxílio e apoio àquele país. No meu caso, veio o convite para trabalhar como assessor da presidência da alta Corte do país, chamada Tribunal de Recursos, na capital Díli. Existem ainda mais quatro outros tribunais menores, na capital e no interior do país.
Como está a situação econômica e a segurança pública no país?
O Timor-Leste é um país novo, em formação e muito carente. A ONU mantém tropas militares estacionadas na capital e conta com o apoio da polícia de Portugal na segurança pública. Existem também missões internacionais oficiais e ONGs voltadas para áreas de políticas públicas, saúde, planejamento e educação, que são setores importantes e necessitam de maior orientação. Hoje, a situação na segurança pública é de estabilidade, após a morte de cerca de 200 mil timorenses, desde a invasão da Indonésia, em 1975, o conflito pela independência, em 1999, e a revolta civil de 2006. Segundo dados fornecidos, dentre tantas outras, a violência sexual é ainda muito presente por razões culturais e vem sendo combatida pela polícia e a justiça. De outro lado, a economia do país dá sinais de crescimento, em face da descoberta de petróleo no Mar do Timor, que, me parece, será explorado com tecnologia e parceria da Austrália.
A questão estrutural, material e física do país já foi refeita nestes 11 anos de independência?
Não existe ainda água potável nem saneamento básico geral, portanto, a água para beber tem que ser comprada engarrafada. Eles também sofrem com a falta de energia elétrica que não é suficiente para a demanda do país, e em muitos bairros existem geradores particulares para o fornecimento de energia elétrica. Por ser um país tropical pobre, onde se faz muito calor, várias doenças são ainda endêmicas e graves. Além disso, o país-ilha fica situado geograficamente numa zona de abalos sísmicos constantes, como é toda a região do Japão e Indonésia. Vejo que, diante de tantas dificuldades, é natural que a população sofrida do Timor-Leste necessite de ajuda humanitária internacional nos mais variados setores para, aos poucos, poder vencer tantas barreiras e construir uma nação digna e justa.