O CNJ aprovou resolução que inclui estrangeiros e brasileiros residentes no exterior no Cadastro Nacional de Adoção. Em entrevista à reportagem da Amagis, o desembargador Tarcísio Martins Costa, magistrado há 32 anos, dos quais 11 com titular da Vara da Infância e Juventude de Belo Horizonte, e autor de livros sobre o tema, comenta a medida aprovada pelo Conselho e as dificuldades encontradas para adoção hoje no país.
O que significa essa medida aprovada pelo CNJ?
Ela objetiva a facilitação do cruzamento de dados para que as pessoas interessadas na adoção possam ser encaminhadas, sobretudo na adoção internacional. Criou-se uma grande expectativa em torno disso e a medida vem com muito atraso. O Estatuto da Criança e do Adolescente é de 1990 e essa medida é de 2014. Talvez o conselho tenha se despertado para a queda vertiginosa das adoções internacionais no Brasil.
A maioria dos pais que estão disponíveis para adoção no Brasil não se interessa por crianças que estejam em idade mais avançada. Isso facilita a doção internacional?
Acredito que sim. Tenho certa experiência de adoções internacionais. Hoje, por exemplo, a lei 12.010 de 2009 determina a não separação dos irmãos. Ora, se tem quatro irmãos em uma instituição, dificilmente um casal nacional dispor-se-á a adotar estes quatro irmãos de uma vez só. Em onze anos de vara da infância e juventude, me recordo de ter concedido adoção internacional de três irmãos para uma única família.
Aqui no Brasil, muitos casais entendem que adotar uma criança com menos de sete anos seria mais fácil para poder lidar com a situação. Isso tem sentido?
Essa é uma compreensão natural, porque muitos pais desejam vivenciar a questão da paternidade na sua plenitude, desde a amamentação, afeto etc. Isso tem até uma explicação que nos leva a compreender essa opção. Mas, se fizermos a análise das estatísticas, vamos verificar que a preferência hoje é por crianças brancas, embora 47% dos casais inscritos declarem que aceitam crianças de qualquer raça.
Existe um cadastro de 5.400 crianças disponíveis para adoção e 30 mil pretendentes. Nem por isso, a conta fecha. Por que não conseguimos adoção para todas as crianças?
Primeiro, porque os casais brasileiros são extremamente seletivos. Dificilmente irão adotar adolescentes. Temos em média 1700 adolescentes na faixa de 15 a 17 anos que estão disponíveis para adoção. Se formos avaliar o cadastro de crianças da faixa de 6 a 17 anos, representam 88%. Além disso, os casais querem vivenciar a maternidade em sua plenitude. Muitos pensam que optando por uma criança de cinco ou seis anos, ela já trará vícios de uma instituição, o que, no meu ponto de vista, é um equívoco. O que não podemos permitir é que crianças se tornem adolescentes e adultos dentro de uma instituição. Recordo-me de uma decisão do TJ de Santa Catarina de alguns adolescentes que se tornaram maiores e depois dos 18 anos entraram com uma ação contra o município, salvo engano a capital, visando indenização por danos morais e materiais por não haver sido propiciada a eles a oportunidade de uma família. Imagine uma criança institucionalizada como diz o filósofo Primo Levi, que inclusive foi institucionalizado: “Uma criança que perdeu tudo: perdeu seus pais, seus amigos, suas roupas, sua família, e acaba por perder-se a si mesmo”.