O desembargador Wagner Wilson Ferreira sempre atuou na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Foi juiz da Infância e Juventude, de 1991 a 1995, na comarca de Passos, em Minas Gerais. Em Belo Horizonte, já atuou como juiz substituto na Vara da Infância e Juventude. Integra a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA) desde 1997 e exerce a função de coordenador geral da Coordenadoria da Infância e Juventude (COINJ) do TJMG.
Na última segunda-feira, 13, o desembargador assinou o convênio entre o TJMG e instituições parceiras para a construção do prédio que abrigará o Centro Integrado de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, em Belo Horizonte. Incentivador da adoção de políticas públicas para distanciar a juventude brasileira da violência, Ferreira vê com tristeza a possibilidade de aprovação, pelo Congresso Nacional, da proposta que reduz de 18 para 16 anos a idade mínima para a imputação penal. Nesta entrevista, o desembargador defende a educação e o amparo como os principais caminhos para afastar os jovens da criminalidade.
Muitos daqueles que são a favor da redução da maioridade penal para crimes hediondos argumentam que as penas aplicadas aos adolescentes no Brasil são brandas demais. O que o senhor acha disso?
As sanções aplicadas aos menores de 18 anos de idade que praticam os crimes ou contravenções penais, denominados atos infracionais, não possuem natureza de pena e sim de medida socioeducativa. Dependendo da gravidade do ato infracional, pode-se aplicar a medida socioeducativa ou internação em estabelecimento apropriado, que pode durar até 3 anos. Como se tratam de processos educativos para inclusão social, não acho que estejam desproporcionais a seus objetivos.
Em que casos é realmente preciso aplicar uma punição mais severa ao menor infrator?
Quando o ato infracional é cometido mediante violência ou grave ameaça, quando existe reincidência em infrações graves e descumprimento das medidas anteriormente aplicadas, pode-se aplicar a medida de internação, mas que deve ser excepcional, respeitando-se a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Mas essa medida deve ser usada como último recurso.
A que o senhor atribui o fato de boa parte da sociedade brasileira defender a redução da maioridade?
As notícias veiculadas cotidianamente pela imprensa levam a população a acreditar que o número de crimes ou ato infracionais cometidos por menores de 18 anos é grande e que, na maioria das vezes, eles ficam impunes. No entanto, segundo o Unicef, 22 crianças e adolescentes são mortos diariamente no Brasil, vítimas de violência.
O desamparo de jovens no acesso às políticas públicas e programas sociais não é divulgado pela imprensa, e o número de adolescentes infratores representa menos que 1% do total da população nesta faixa etária.
Por que diminuir a maioridade penal não é a solução para o problema da criminalidade praticada por adolescentes? Quais seriam os caminhos?
Nos nove países mais seguros do mundo (Finlândia, Suécia, Áustria, Austrália, Dinamarca, Noruega, Islândia, Irlanda e Nova Zelândia), a maioridade penal é de 18 anos. Isso quer dizer que o problema da criminalidade entre os brasileiros não tem nada a ver com maioridade penal. O problema é a falta de educação ou a péssima qualidade da educação pública no Brasil.
Não se transforma a sociedade por meio de leis. Na verdade, precisamos unir o poder público e a comunidade, para construirmos políticas que encontrem soluções que afastem a juventude brasileira da violência. Entre essas políticas, está o investimento na educação voltada para a paz, esclarecendo ao jovem os caminhos da vida, empolgando-os no projeto de construção de uma sociedade justa e solidária.
A privação da liberdade é empregada de forma banalizada no Brasil? As medidas socioeducativas não deveriam ser mais utilizadas?
As medidas socioeducativas aplicadas pela autoridade judiciária ao adolescente infrator possuem aspecto sancionatório e coercitivo, apesar do seu caráter educativo. É o meio para que se chegue ao resultado que se espera. O sucesso dessas medidas dependerá evidentemente de sua execução, com o apoio das autoridades responsáveis que devem dar toda a estrutura para implementá-las nos termos definidos em lei e com a imprescindível participação da sociedade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 25 anos na última segunda-feira, dia 13. Para alguns especialistas, reduzir a maioridade penal seria como "revogar" o ECA em relação à proteção de adolescentes entre 16 e 17 anos. Como o senhor analisa isso?
A inimputabilidade penal dos menores de 18 anos no Brasil é absoluta. Significa dizer que, não importando as circunstâncias, o inimputável absoluto não poderá ser penalmente responsabilizado por seus atos. No caso dos menores, eles ficam sujeitos às regras estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. É uma garantia constitucional (art. 228 da CF/88). Embora existam opiniões em contrário, entendo tratar-se de cláusula pétrea e, por se referir a um direito individual inerente aos menores de 18 anos, seria impossível uma proposta de emenda para reduzir o conteúdo do art. 228.
Independentemente desse entendimento, alterando-se este artigo, é evidente que se estará revogando o ECA em relação à proteção dos adolescentes na faixa etária atingida pela redução.
As unidades de internação brasileiras realmente cumprem a proposta educativa de reintegração dos menores infratores à sociedade?
De uma forma geral, não cumprem. O governo do Estado de Minas Gerais tem feito grandes investimentos nestas unidades nos últimos anos, mas existe um déficit histórico no País. Falta sempre o essencial, profissionais da saúde e da educação que desenvolvam projetos objetivando a recuperação e a profissionalização dos internos.
A sociedade, ao invés de defender a redução da maioridade penal, deveria cobrar a efetividade das políticas públicas previstas em lei, voltadas para saúde física e mental e para a educação destes internos.
O senhor acredita que a proposta de redução da maioridade penal será aprovada pelo Congresso?
Infelizmente, sim. A maioria da população brasileira pensa que esta medida resolverá o problema da violência no País. A mídia tem contribuído de uma forma efetiva para fortalecer essa ideia. Notícias são divulgadas sem que seja feita uma análise das consequências da aprovação desta proposta. Não divulgam que a porta de entrada de um presídio é a porta de entrada para um lugar sem saída. A falta de projetos de ressocialização e as precárias condições dos presídios brasileiros não são noticiadas pela mídia brasileira.
Foto: TJMG