A Semana Nacional de Conciliação deste ano vai se concentrar em um dos maiores entraves do Poder Judiciário, o chamado uso predatório da Justiça. O 3° vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Wander Marotta, responsável pela Gestão de Inovação e Projetos de Conciliação do Tribunal, explica, nesta entrevista, o que é o uso predatório, suas causas e o que pode ser feito para evitá-lo.

wander marotta


O que é o uso predatório da Justiça?

É o uso abusivo da Justiça, que tem algumas causas e origens. É preciso que consideremos que o Judiciário tem de ter efetividade, deve produzir decisões e executá-las, mas isso não tem acontecido. Nós temos, hoje, no Brasil, cerca de 100 milhões de processos em andamento. Cada juiz decide cerca de mil e seiscentas ações por ano, mas existe uma carga nova anual de 28 milhões de processos. Nós temos ainda uma carga de retenção de processos de 71%, ou seja, dos processos que entram, o Judiciário decide 29%. Com essa carga de retenção, existem aqueles que a conhecem e que se utilizam dela para procrastinar o cumprimento das suas obrigações, são os chamados grandes litigantes, entre os quais as grandes empresas, os bancos, as operadoras de telefonia e o próprio Estado.

Nesse caso, as duas partes teriam um interesse não muito “correto” nessa fase processual?

Eu não diria que seria um interesse de má-fé; é um interesse de oportunidade. A parte pensa: eu vou ter alguma vantagem? Se eu tiver alguma vantagem, eu vou litigar, se não, eu não vou litigar. Isso é um raciocínio que todo mundo faz, e como o nosso processo também existem as suas causas, não é somente a parte que tem esse comportamento predatório e daí se explica a morosidade, que possui inúmeras causas, uma delas é a grande litigiosidade e outras são o grande formalismo da Justiça no Brasil que vem de uma tradição francesa, a burocracia processual. Também o grande número de recursos que o nosso processo propicia e admite. Tudo isso leva a que se retirem vantagens da chamada litigiosidade, ao passo que, se o processo for menos burocratizado e se tiver uma segurança maior, isso pode levar a uma conclusão contrária, de que não é vantajoso litigar, porque a Justiça vai decidir rápido.

O que pode se feito para acabar com esse uso abusivo da Justiça?

Hoje o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sinalizam, por meio da instituição de súmulas vinculantes e de recursos repetitivos, que as causas terão uma decisão coletiva, padrão, e isso vai inviabilizar a vantagem que tem, hoje, aqueles que procrastinam e fazem a utilização desse uso abusivo. Existe um excesso de acesso na Justiça, que é muito alto através de todas as formas, como o da gratuidade que é abusiva, as pessoas não perdem nada ao entrar na Justiça, isso gera litigância frívola e abusiva. Se isso for impedido, a conciliação passa a ser vantajosa, porque se a litigância, através de uma firme jurisprudência dos Tribunais Superiores, aponta em um determinado rumo, a parte passa ter certeza de que aquele rumo será seguido, não haverá mais divergência, então a conciliação passar a ser prestigiada porque ela é uma forma de sair da Justiça de forma vantajosa para todos, rápida e harmoniosa, construída pela própria parte sem intervenção do Estado.