Nos processos de divórcio em que as partes não chegam a um consenso, muitos pais acabam colocando os filhos contra o ex-parceiro, o que pode gerar graves consequências para os envolvidos e principalmente para o menor.
Para inibir essa prática e garantir a proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, foi sancionada em agosto de 2010 a Lei Nº 12.318, que dispõe sobre a alienação parental. A lei considera alienação parental a interferência na formação psicológica para que o filho repudie o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos.
Nesta entrevista ao site da Amagis, a desembargadora do TJMG Ângela de Lourdes Rodrigues afirma que a lei deu ao Judiciário a possibilidade de avaliar e produzir provas para esclarecer os fatos e resguardar a vítima. A magistrada faz ainda uma análise destes cinco anos de aplicação do texto.
Foto: Marcelo Albert/TJMG
A Lei da Alienação Parental prevê mecanismos de repressão à conduta de parentes que prejudicam o desenvolvimento psicológico dos menores de idade. Na prática, como se configura a alienação parental?
Na prática, a alienação parental é um processo lento, muitas vezes difícil de ser percebido, em que o alienante vai induzindo a criança ou o adolescente a criar sentimentos negativos e de repúdio em relação ao outro, denegrindo sua imagem, o que ocasiona dificuldade ou até mesmo impossibilidade de manutenção do relacionamento e da convivência. A partir de algum tempo, a própria criança ou adolescente incorpora tais sentimentos e passa a ter resistência no convívio com o outro.
No âmbito familiar, quem mais comete esse tipo de conduta e a que se deve isso?
Considerando a alienação parental como uma patologia psíquica que acomete um dos envolvidos na relação familiar, e a pretensão é a destruição do vínculo da criança ou adolescente com o outro, qualquer pessoa pode cometê-la. O mais comum, em caso de criança ou adolescente, é que seja cometida por quem tem o menor em sua companhia, ou seja, quem detém a guarda.
Em que contexto esse conflito se inicia?
Normalmente, a alienação parental tem início após um desentendimento ou insatisfação do alienante em relação ao outro e, diante desse fato, ele usa a criança ou o adolescente para denegrir a imagem do outro, dificultando ou impossibilitando o convívio.
Que providências devem ser tomadas pelo genitor alienado em caso de caracterização da alienação parental?
Detectada pela parte alienada a prática da alienação parental, válida é a tentativa de solução amigável por meio de uma conversa pessoal ou por interposta pessoa. Dificilmente essa providência tem resultado exitoso, porque quem pratica alienação parental nega que tenha tal conduta, mesmo porque, muitas vezes, a criança ou o adolescente já está influenciado ou induzido por aqueles sentimentos negativos e manifesta pessoalmente sua resistência pessoal ao convívio com o outro. No entanto, se não lograr êxito a possibilidade de resolução amigável do conflito, a parte alienada deverá procurar justiça porque a alienação parental fere o direito fundamental da criança e do adolescente de uma convivência familiar saudável.
Quais são as possíveis medidas aplicáveis ao alienador?
Dentre as várias medidas aplicáveis ao alienador, as mais graves são a estipulação de uma multa, observadas as condições financeiras do alienante e alienado; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial e, em casos mais graves, compartilhar a guarda ou invertê-la; determinar o domicílio da criança ou adolescente e, em casos extremos, declarar a suspensão da autoridade parental.
Quais são as principais consequências da Síndrome de Alienação Parental para a criança ou o adolescente alienado?
Para a criança ou adolescente, a alienação parental ocasiona consequências gravíssimas, pois prejudica sua afetividade, cria sentimentos negativos em relação ao outro e, com o decorrer do tempo, se o menor se conscientizar de que foi vítima dessa conduta desastrosa praticada por um ente querido, ocorre uma desestruturação pessoal que dificilmente é superada. Essa percepção da alienação parental ocasiona um rompimento do vínculo com o alienante e com o alienado. Ainda que se procure restabelecer o convívio, na maioria das vezes, o resgate é difícil e o tempo de convivência resistida ou perdida não é recuperado.
Nestes cinco anos da lei, houve grandes evoluções no papel do Judiciário sobre esse tema?
A alienação parental sempre existiu, sendo difícil de ser identificada porque a conduta do alienante normalmente é dissimulada. Após a promulgação da lei ficou mais claro para as pessoas a sua identificação no convívio familiar, e o alienante ficou mais temeroso porque se tornou sabedor das consequências de sua atitude. Com a entrada da lei em vigor, houve uma grande demanda e várias situações foram apontadas como sendo de alienação parental. Porém, uma parte delas não correspondia à realidade. De qualquer maneira, a lei oportunizou ao Judiciário, ao Ministério Público, a advogados e defensores avaliar e produzir provas para melhor esclarecer os fatos.
Existe algum tipo de dado referente à aplicação da lei?
Muitos processos nas Varas de Família trazem alegações de alienação parental. Alguns se comprovam, outros não. Dados estatísticos são difíceis porque os processos correm em segredo de justiça e o acesso a tais informações é restrito.
Quais são as grandes conquistas da Lei da Alienação Parental nestes cinco anos?
A grande conquista é a conscientização do problema e a demonstração de sua gravidade e das consequências gravosas para os envolvidos, em especial as crianças e os adolescentes. As pessoas passaram a identificar na lei condutas que praticavam, e isso serviu de alerta. Muitas vezes, o comportamento foi evitado e em outras foi possível tomar providências amparadas na legislação em vigor.
E quais são os maiores desafios para se alcançar o êxito dessas medidas legais?
O maior desafio é vencer a prática da alienação parental. Superar essa atitude ruinosa que, muitas vezes, é silenciosa e imperceptível para alguns. Essa reflexão precisa ser feita por todas as famílias para que tenham o alcance da importância de seus comportamentos na formação das crianças e adolescentes, para que estes sejam adultos sadios e possam se tornar cidadãos do bem. Isso vai possibilitar uma convivência saudável na família e na sociedade.