Previsão constitucional inserida em nossa Carta Magna de 1988, a Lei da Transparência Fiscal demorou mais de duas décadas para ser editada. Finalmente, em 10 de dezembro de 2012, foi publicada a Lei nº 12.741 para fazer valer o disposto no art. 150, §5º, da Constituição Federal que assim prevê: "a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços". Somos um povo consumista por natureza, mas, infelizmente, nunca soubemos o que pagamos, ou seja, qual o peso da carga tributária nos preços dos produtos que consumimos no nosso dia a dia. Talvez, poucos saibam, por isso é bom ressaltar o quão grande é a influência dos tributos sobre o consumo no Brasil, pois são justamente eles que oneram o nosso bolso.

Atualmente, o Brasil possui como maior imposto sobre valor adicionado o ICMS, de competência estadual, seguido do IPI, de competência federal. Somando esses impostos ao ISS, de competência municipal, e outras contribuições sociais, como o PIS e a Cofins, obtemos o sistema tributário incidente sobre o consumo, cujas alíquotas podem variar de 1% até 45%. Os tributos sobre o consumo representam mais da metade do total dos tributos arrecadados. Em tudo que gastamos estão embutidos os tributos. Quanto mais o produto comprado tiver valores agregados, maior será o valor dos tributos pagos pelo comprador. Portanto, é muito importante que saibamos o que compõe o preço do produto ou serviço que estamos adquirindo. Sabendo disso, consequentemente, saberemos o quanto o governo está arrecadando.

Eis que, finalmente, com a Lei da Transparência Tributária, passaremos a ter condições de verificar a tributação do consumo. Contudo, apesar de termos esperado tanto tempo para vermos nosso direito reconhecido, a aplicação da referida lei parece um pouco "truncada". Primeiro, quanto a vigência, visto que os seus efeitos somente passariam a produzir efeitos seis meses após a data da publicação da lei no Diário Oficial da União, que ocorreu em 10 de dezembro 2012. Portanto, somente no dia 10 de junho de 2013 é que a Lei da Transparência passaria a surtir efeitos, período este mais que suficiente para que o contribuinte pudesse se preparar. Findo este prazo, o contribuinte que não cumprisse com as exigências estabelecidas seria penalizado com as sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, no dia 16 de outubro de 2013, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei 12.868 que trouxe, entre outras disposições, a prorrogação das sanções ao contribuinte infrator. O prazo para começar a aplicar as sanções passaria, então, a ser 12 meses contados do início da vigência da Lei da Transparência, ou seja, somente a partir do dia 10 de junho de 2014. Enquanto isso, os donos de estabelecimentos, na grande maioria, por saberem que ainda não seriam responsabilizados pela falta das informações, não se preocupam em cumprir com as exigências estabelecidas na lei.

Resta-nos esperar pela boa vontade das empresas para que comecem, desde já, a cumprir com as disposições da norma

Quando todos nós achávamos que, finalmente, veríamos nosso direito ser respeitado, eis que foi publicada a Medida Provisória nº 649, em junho deste ano, alterando a Lei 12.741, dispondo que a fiscalização no que se refere a informação da carga tributária será exclusivamente orientadora até 31 de dezembro, ou seja, quem descumprir as normas, não será multado, por enquanto. Mas essa confusão toda tem uma explicação. Por um "cochilo" do legislador, a Lei da Transparência nasceu, porém, mais de um ano após sua publicação no DOU, a mesma não havia ainda sido regulamentada. O decreto regulamentador da Lei da Transparência não existia até poucos dias antes da data prevista para começar a fiscalização. Para quem não sabe, o decreto regulamentador é uma norma jurídica que segundo o art. 84, IV da Constituição Federal, deve ser expedida pelo chefe do Poder Executivo (por isso é também chamado de decreto executivo), com o objetivo de pormenorizar, detalhar melhor as disposições gerais e abstratadas da lei, de forma a viabilizar a sua aplicação. Sem um decreto, a aplicação da lei torna-se impossível. Pois bem, quando o legislador acordou, a fiscalização pelo descumprimento da lei já estava prestes a começar, porém, as empresas não tinham os detalhes de como proceder para informar os tributos aos consumidores. Para que esse absurdo não viesse a acontecer, o legislador redigiu o Decreto nº 8.264, publicado no DOU do dia 06 de junho de 2014, exatamente quatro dias antes do início previsto para o início das autuações ao contribuinte infrator. Ora, se o contribuinte passou a conhecer os detalhes para o cumprimento de sua obrigação um pouco antes do prazo para o cumprimento da mesma, é lógico que deveria ganhar mais prazo para se adaptar as regras. Foi por este motivo que, no mesmo dia da publicação do referido decreto, foi publicada a MP 649 prorrogando o prazo para aplicação de sanções a partir de janeiro de 2015.

Como podem ver, o descaso do governo com o cidadão é grande. Não bastasse os 20 anos de espera para vermos nosso direito vir à tona, somos obrigados a não exercê-lo por absoluta displicência dos nossos governantes. Embora tardiamente o governo tenha acordado para o seu erro, resta-nos agora esperar pela boa vontade das empresas para que as mesmas comecem, desde já, a cumprir com as disposições da Lei de Transparência, evitando que o direito do cidadão seja postergado mais uma vez.

Desirée Costa é consultora especialista em direito tributário da CLR Consultoria Empresarial

Fonte: Valor Econômico