delage.jpgA palestra “Direito Ambiental”, proferida pelo desembargador Luiz Audebert Delage Filho, encerrou os trabalhos do II Encontro Jurídico Regional (Enjur), promovido pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), na cidade de Passos, região sudoeste de Minas, nos dias 19 e 20 de junho. Ao abrir sua conferência, o desembargador saudou a Escola Judicial na pessoa do seu superintendente, desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, parabenizando-a pela realização do evento.

Audebert Delage disse ainda estar realizado por ser convidado para proferir palestra em Passos, já que o sudoeste era a única região de Minas na qual ele ainda não havia estado. O desembargador comparou-a à região vinícola de Bordeaux, coincidentemente no sudoeste francês, de onde vieram seus avós. Ele exaltou a região pela sua riqueza ambiental, já que está próxima ao lago da represa de Furnas, e prometeu enfocar, em sua exposição, a parte da legislação ambiental que mais tenha aplicabilidade à região.

Ferro e fogo

O desembargador Audebert Delage iniciou sua conferência dizendo que, em termos de proteção ambiental, estamos ainda dando os primeiros passos. Ele lembrou que, nesses primeiros 500 anos da história do Brasil, predominou a mentalidade de que era preciso destruir para poder crescer, numa evidente dicotomia entre o crescimento e a preservação ambiental. “Nossos primeiros 500 anos foram literalmente marcados a ferro e fogo. Lembro aqui do ferro dos machados e das motosserras e do fogo das queimadas, que levam boa parte de nossa vegetação ano após ano”, destacou. O magistrado lembrou que, por conta dessa mentalidade, foram embora a vegetação da costa brasileira, muitas florestas, rios, e com isso foram prejudicadas a qualidade do ar, a fertilidade do solo e a pureza do subsolo.

O magistrado lembrou a destruição de parte da Floresta Amazônica, mas ressaltou que, o que se fez com a Mata Atlântica, teve a mesma gravidade. Ele explicou que o que facilitou a degradação da Mata Atlântica foi o fácil acesso, já que praticamente toda ela está em região próxima do litoral. “Eu penso que o mesmo destaque que se dá á destruição que é promovida na Amazônia deveria ser dado ao que se fez e ainda se quer fazer com o que resta da Mata Atlântica e do Cerrado”, criticou Delage. “Se Minas é a caixa d’água do Brasil, o Cerrado certamente é o responsável por isso.”

Legislação

O desembargador Audebert Delage explicou que, desde o descobrimento do Brasil até a primeira metade do século XX, o que se tinha em termos de legislação ambiental eram tão somente normas que procuravam preservar recursos naturais preciosos, de grande valor econômico, ou ainda preservar a saúde pública. Segundo o desembargador, com a idéia de que melhor seria prevenir do que remediar e com o pensamento mais focado no aspecto econômico, os legisladores procuravam cuidar preventivamente da saúde pública para que o Estado não tivesse gastos com tratamentos. Atualmente, segundo o magistrado, existe uma preocupação maior não apenas com a geração atual. “O próprio artigo 225 da Constituição Federal nos fala da necessidade de preservarmos o meio ambiente não só para nós, mas para as gerações vindouras”, explicou.

O magistrado lembrou a edição do Código Florestal, em 1965, como um importante marco na história da legislação ambiental brasileira. Ele afirma que, apesar das críticas que são feitas ao regime militar, há que se reconhecer que, com tantas pressões políticas de diversos setores da sociedade sobre o Congresso, dificilmente um código como esse seria aprovado. “Atualmente, qualquer modificação que se deseja fazer encontra uma resistência muito grande”, disse o desembargador. Ele lembrou que o código trata da função social da propriedade privada, o que não agrada a muitos proprietários. Outro passo importante foi a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), em 1973, órgão federal responsável pela política ambiental no país, mas ainda sem status de ministério. Durante os anos 60 e 70, foram editadas leis isoladas, protegendo determinados setores, como as leis anticaça e antipesca, a de mineração etc.

Nova orientação

Audebert Delage explicou que, no início dos anos 80, acontece uma reorientação quanto à política ambiental. Para ele, a edição da Lei 6.938, em 1981, é um marco muito importante. “A chamada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente vem trazer um tratamento holístico à matéria ambiental. O meio ambiente passa a ser protegido através de ações integradas e com garantias de implementação”, afirmou o desembargador. Ele mencionou a obrigatoriedade do relatório de impacto ambiental para a aprovação de obras e empreendimentos. O magistrado ressaltou que a norma causou inicialmente muita resistência. “Essa novidade foi muito combatida a princípio, porque as pessoas não queriam ter que fazer um estudo a cada melhoria que fossem implementar em suas propriedades. Mas depois passou-se a entender melhor esse instrumento, que tinha mesmo que ser adotado. Caso contrário, já estaríamos no caos”, disse Delage.

O magistrado lembrou ainda a edição da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, que, depois de regulamentada, teve seu decreto de regulamentação revogado. Dela também consta a discussão sobre a função sócio-ambiental da propriedade privada, especialmente da propriedade rural. Segundo ele, essa questão precisa de fato ser enfrentada. “Eu não acho que existe incompatibilidade entre a criação do Nelori e a preservação do meio ambiente”, ressaltou o magistrado, lembrando que o Brasil em um dos maiores e melhores rebanhos do mundo. “O fato é que nós temos que estabelecer um equilíbrio entre a preservação ambiental e a ordem econômica, também na mineração, mas muito especialmente na agricultura e na pecuária.

Constituição

O desembargador Audebert Delage tratou ainda das normas constitucionais que se referem ao meio ambiente. Ele destacou que não é imprescindível que a questão ambiental seja tratada na Constituição. “O meio ambiente poderia continuar sendo tratado por meio de legislação infraconstitucional, como já vinha sendo feito. Mas, se está na Carta Magna, tanto melhor, porque a força de aplicação da norma é maior”, enfatizou. O magistrado lembrou que, em constituições anteriores a 1988, a degradação ambiental era tratada como degradação sanitária e havia uma visão economicista e utilitarista da matéria. Além disso, a abordagem era antropocêntrica, ou seja, colocando o homem sempre no centro de tudo. “A abordagem que se seguiu era mais biocêntrica ou mesmo ecocêntrica, porque se despertou a consciência de que a preservação era importante para todos.”

Essa visão, segundo o magistrado, vem se consolidar na Constituição de 1988, com um capítulo inteiro dedicado ao meio ambiente, sendo que a norma fundamental está no artigo 225, que estabelece a necessidade de que todos tenham direito a “um meio ambiente ecologicamente equilibrado”. O desembargador reforçou a idéia de que, segundo o próprio texto constitucional, a obrigação de defender e preservar esse meio ambiente é do poder público e da coletividade, “para as presentes e futuras gerações”.

Fonte: TJMG
Foto: Renata Mendes