O presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de compreender as delimitações impostas pelo nosso ordenamento jurídico ao direito de propriedade, que abrangem essencialmente a função social e a proteção do meio ambiente.

Pretende-se conferir uma breve abordagem da denominada função ambiental da propriedade, de modo a entender os seus conceitos e contornos jurídicos.

Esse tema foi eleito em razão da relativa novidade e da relevância de sua disciplina no ordenamento jurídico brasileiro, decorrente de amplos estudos doutrinários e da necessidade de proteção de interesses além dos privados dos proprietários.

Traçamos o regime jurídico das delimitações socioambientais do direito de propriedade no âmbito da Constituição, além de abordarmos a concepção dos direitos difusos como limite à propriedade privada no Código Civil vigente.

Para finalizá-lo, obtemos uma conclusão e demonstramos a fonte bibliográfica, ambas voltadas ao desenvolvimento do tema na esfera interdisciplinar do Direito Difuso e do Direito Civil.

Delimitações socioambientais do direito de propriedade

O conceito de direito de propriedade não foi concedido pela nossa legislação, motivo pelo qual restou à doutrina conceituá-lo. Consiste, essencialmente, no direito de usar, gozar e dispor da coisa, podendo reavê-la de quem quer que a injustamente possua[1].

A nossa atual Constituição não menciona expressamente o termo "socioambiental", que consiste em criação doutrinária, com adaptação do conteúdo da carta magna.

Estabelece, todavia, o direito de propriedade como fundamental do cidadão, traçando o seu regime jurídico principal. Chega-se a afirmar que houve a “constitucionalização” desse direito, em razão de sua previsão constitucional, com imposição de respeito ao meio ambiente equilibrado, além de dever obedecer à função social que lhe compete. Ocorreu a reavaliação desse instituto originariamente de direito privado à luz da nova Constituição.

A ideia da constitucionalização decorre da imposição, pela Constituição, das bases principais para o exercício do direito de propriedade. Ao legislador ordinário cabe apenas disciplinar especialmente esse equilíbrio entre a vontade privada e a social.

De se lembrar que os bens envolvidos pelo direito de propriedade dispostos na Constituição são mais amplos do que no Direito Civil, pois abrangem bem material e imaterial, com noção de patrimonialidade.

Ademais, os interesses sociais superaram a concepção individualista, de forma a conciliar e a delinear o exercício do direito de propriedade. Estabeleceu-se que os interesses difusos, a exemplo do ambiental, não podem ser superados pelos interesses privados, ainda que de um proprietário. Houve ponderação de valores.

Além de ser definida constitucionalmente como direito fundamental, a propriedade privada também configura um princípio da ordem econômica nacional, conforme denota o seu artigo 170, inciso II, assim como a sua função social e a defesa do meio ambiente (incisos III e VI, respectivamente).

Dessa forma, o exercício do direito de propriedade não pode bastar à satisfação do seu titular, devendo adequar-se também à preservação do meio ambiente natural e social, com escopo coletivo e difuso.

A Constituição impôs a proteção ambiental, conforme o artigo 170, incisos II e III, bem como instituiu a necessidade de se alcançar a justiça social, permeando a função social do propriedade. Não obstante, determinou a realização do desenvolvimento sustentável, com harmonia entre os esforços da coletividade e da Administração Pública, a fim de se obter o equilíbrio entre valores opostos, tais como propriedade privada e preservação ambiental[2]. Significa que o direito de propriedade deve ser analisado conjuntamente com o desenvolvimento social e ambiental.

Em razão dessa acepção, disciplinou-se, nos artigos 182 e 183 da Constituição, a política urbana, com imposição expressa da função social da propriedade, como meio de se preservar o meio ambiente urbano.

Em conformidade com o que postula Milaré[3], essa compreensão decorre do fato de o meio ambiente urbano estar abrangido pelo meio ambiente lato sensu. O posicionamento da política urbana dentro da matéria acerca da ordem econômica se explica pela ideia de desenvolvimento sustentável econômico, ensejando harmonização dos setores sociais, econômicos e ambientais.

Ainda que exista uma disciplina especial de direito ambiental na Constituição (artigos 225 e seguintes), consiste em um tema abordado em todo o seu texto, como ocorre no regramento de direito de propriedade. Essa relevância atribuída ao meio ambiente natural resulta do fato de não ser possível existir vida se não houver qualidade ambiental.

Além de um direito, o meio ambiente saudável configura um dever de todos, de modo a garantir o seu usufruto pelas gerações futuras. É taxado de bem de uso comum do povo, reconhecido à integral coletividade, sem possibilidade de exclusão de usuários.

Como explica Mesquita, “A propriedade, nos moldes do desenvolvimento sustentável, cumpre sua função social quando há compatibilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente (...).”[4]

A função social, da qual decorre a ambiental, faz com que haja condicionamento do exercício do direito de propriedade à preservação do meio ambiente, isto é, deve ser utilizada a propriedade privada em prol da sociedade e do equilíbrio ambiental. Nasce da imposição de uma determinada atividade do proprietário e do Poder Público, no sentido de favorecer à sociedade. Gerou um poder-dever de preservação ambiental ao proprietário.

Como a Constituição é a lei maior, traçou os principais aspectos referentes à função ambiental da propriedade privada, ensejando a elaboração de inúmeras leis nesse sentido. Exemplo seus são o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.406/2001) e o Código Civil de 2002.

No Código Civil de 1916, a propriedade estava disposta com caráter preponderantemente individual, voltada ao direito privado. Com a "publicização" e a socialização da propriedade, decorrente em grande parte da vigente Constituição, passou-se a encarar esse direito como hábil a harmonizar interesses individuais e sociais, somados aos interesses ambientais.

Com a entrada em vigor do Código Civil atual, deixou de haver incongruência entre a lei civil e a lei maior, pois também disciplina a função socioambiental da propriedade privada. Elucida expressamente a relação entre a função social e a proteção do meio ambiente.

Mesmo assim, o Código Civil, a exemplo dos demais, disciplina somente as relações civis referentes à propriedade privada, de uma forma mais centrada no direito civil, não regulamentando a propriedade de bens e direitos imateriais nem públicos.

Apesar disso também dispõe acerca das suas delimitações, não apenas atinentes ao direito de vizinhança, como à previsão da função socioambiental, de acordo com o artigo 1.228, parágrafo 1º, do Código Civil. Neste parágrafo, há previsão dos elementos ditos negativos do direito de propriedade, na medida em que funcionam como delimitadores desse direito.

Estipula o nosso dever de "[...] preservar a natureza e todo o seu equilíbrio, com desenvolvimento sustentável, para que não coloquemos em risco as futuras gerações deste planeta".[5]

Em que pese isso, esses deveres também implicam em conduta ativa do titular do direito de propriedade, para cumprir o seu caráter social e ambiental.

Chega-se a afirmar que a propriedade passou a ser definida como o direito de "[...] usar, gozar, fruir e manter ecologicamente equilibrado."[6].

Além desse artigo do Código Civil, há inúmeros outros que regulamentam a utilização da propriedade privada de acordo com a função ambiental, como os 1.230, 1.291, 1.309 e 1.392.

Acreditamos que o fato de o proprietário não cumprir essas funções implica somente em possibilidade de perda do exercício de seu direito não afetando o seu conceito e o de propriedade privada. As funções ambiental e social são requisito do exercício do direito de propriedade, não do próprio direito, pois estabelecido constitucionalmente como fundamental. Não significa que o Estado não possa atuar de forma a conter os problemas relativos à propriedade. A Constituição, o Código Civil e inúmeras outras leis lhe conferem esse poder-dever.

Ainda assim, a função socioambiental é de elevada importância para a compreensão do instituto da propriedade privada. Consiste em delimitação ao exercício do direito do proprietário. Ao usar, gozar e dispor do seu bem, o proprietário não deve atentar contra o equilíbrio ecológico, contra os seus fins sociais, bem como deve observar os interesses coletivo e difuso.

Com o escopo de esclarecer as delimitações ao direito de propriedade, necessária uma caracterização de seus elementos. Ateremo-nos aos limites de caráter ambiental (difusos).

O direito ambiental possui a qualidade de indeterminação dos sujeitos, o que o contrapõe ao mecanismo tradicional de tutela, baseado na proteção de um titular, pois destaca o direito em si considerado. Essa indeterminação advém da ausência de um vínculo jurídico entre os sujeitos atingidos por esse direito.

Seu objeto é um bem difuso, impassível de apropriação individual. Na hipótese de sofrer dano, há prejuízo de toda a sociedade. Consiste em um bem indivisível, por não poder ser objeto de propriedade exclusiva. São concernentes a todos os indivíduos de forma indistinta. Os interesses difusos podem inclusive ser contrários ao interesse do Estado.

Mancuso[7] sustentou ser a transição ou a alteração desses interesses ao longo do tempo e conforme o lugar outra característica. Como os interesses difusos são pautados em situações circunstanciais, a modificação destas implica em sua alteração. São instáveis e não perenes. Essa característica não é, todavia, facilmente aplicável aos direitos difusos, pois são menos maleáveis e menos dependentes das situações fáticas.

Eles fogem à ética tradicional de direitos e deveres recíprocos, estabelecendo "[...] o dever diante da posteridade"[8], com necessidade de comportamento altruísta.

Há ainda a irreparabilidade do dano difuso, que se deve aos bens difusos consistirem em valores infungíveis e não apreciáveis economicamente. Pela irreparabilidade de danos causados aos bens difusos, o Direito deve fornecer meios preventivos.

Ademais, a evolução legislativa não é capaz de acompanhar o desenvolvimento dos interesses difusos, cabendo, comumente, aos juízes serem criativos para a solução das demandas.

Considerações Finais

O presente trabalho abordou juridicamente o instituto da propriedade privada e suas delimitações socioambientais. Inicia-se conferindo o regime jurídico da delimitação socioambiental do direito de propriedade na Constituição. Esta estabeleceu a necessidade de um exercício do direito de propriedade em consonância com os ditames sociais e ambientais.

Estudamos também a sua disciplina no atual Código Civil, com uma análise do seu artigo 1.228, parágrafo 1º. Este dispositivo determinou a observância aos bens ambientais, culturais e artísticos no exercício do direito de propriedade. Impôs a sua delimitação, na medida em que deixou o direito de propriedade de ser absoluto no sentido de sem limitação, devendo haver conciliação entre o interesse do proprietário e o bem comum.

Dispusemos ainda acerca das características dos direitos e interesses ambientais, como forma de esclarecer todos os elementos que contribuem para a delimitação da propriedade privada.

Por todo o pesquisado e estudado, percebemos que os direitos e interesses ambientais integram a denominada função socioambiental da propriedade privada, impondo nova forma de se apreciar o clássico direito fundamental. Essa conclusão pode ser obtida a partir das alterações sofridas em nossa sociedade, que implicaram na modificação do caráter do Código Civil vigente. Foi-lhe impressa uma característica social e ambiental, acarretando a defasagem do individualismo que outrora prevalecia.

Defendemos que o desenvolvimento sustentável deva ser estimulado, a fim de se conciliar o progresso científico, tecnológico e econômico com a preservação ambiental, ou seja, de modo a não haver abusos de utilização de recursos naturais, tais como a fauna, a flora, o ar, as águas, etc..

Ainda há necessidade de se incutir no pensamento humano, de modo geral, a noção de que somente com um bem ambiental sadio e protegido que será possível proporcionar não apenas a vida, como a vida digna e de qualidade às futuras gerações.

Rereferências bibliográficas

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BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos (versão traduzida por Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2004.

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JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica (versão traduzida por Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez). Rio de Janeiro: PUC Rio, 2006.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos – conceito e legitimação para agir. 6 ed. rev. atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7 ed. rev. atual. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2007.

SILVA, Regina Maria Bueno Bacellar Teodoro da. As restrições ambientais ao exercício do direito de propriedade à luz do Código Civil Brasileiro. 2003. 108 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 8 ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2008.


[1] DEBONI, Giuliano. Propriedade privada: do caráter absoluto à função social e ambiental. Sistemas jurídicos italiano e brasileiro. Porto Alegre: Ed. Verbo Jurídico, 2011, p. 21; 23.

[2] MESQUITA, Margarida Maria Moura. Função sócio-ambiental da propriedade privada urbana. 2009. 127 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 03; 57.

[3] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco - doutrina, jurisprudência, glossário. 6 ed. rev. atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 540-544.

[4] MESQUITA, Margarida Maria Moura, Op. cit.,, p. 40.

[5] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 8 ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2008, p. 149-150; 156.

[6] ALMEIDA, Washington Carlos. Contornos ambientais da propriedade privada. 2004. 191 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004, p. 61; 88.

[7] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos – conceito e legitimação para agir. 6 ed. rev. atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 93;106-107.

[8] JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica (versão traduzida por Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez). Rio de Janeiro: PUC Rio, 2006, p. 89.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 6 de setembro de 2013