Cabeça baixa, olhos vidrados, desatenção e mãos fora do volante são os sintomas mais comuns do surto que tem atingido motoristas do mundo inteiro. Chamado por especialistas de epidemia do celular, o hábito de usar o aparelho ao dirigir se agravou com recursos tecnológicos incorporados ao telefone móvel. O problema deixou de ser simplesmente falar. Eles também enviam mensagens, respondem a e-mails, navegam pela internet. A epidemia representa risco a mais para o trânsito e tem difícil combate, já que o celular normalmente fica fora do campo de visão dos fiscais.
Nos últimos quatro anos, “dirigir veículo utilizando telefone celular” ocupa o primeiro lugar no ranking de infrações na capital mineira, mas são os dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que sinalizam o potencial do problema. Em junho do ano passado, havia em Minas 4.648.943 linhas de telefonia celular que usavam a tecnologia 3G, que engloba internet banda larga, TV no celular, download de músicas e vídeos com mais rapidez. Um ano depois, o número chegou a 6.117.498, um aumento de 31,5%.
Apenas neste ano, no período de janeiro a julho, a Guarda Municipal e a Polícia Militar (PM) já aplicaram juntas 34.611 multas por dirigir o veículo usando celular. No órgão de fiscalização municipal, a infração representa um quarto do total de multas aplicadas. Na Polícia Militar, a infração também é a campeã do ranking, com 21.726 multas. Para se ter uma ideia, o segundo lugar – estacionar em horário e local proibidos – tem 12.741 notificações. No ano passado, a irregularidade também ocupou o primeiro lugar em fiscalização pela PM, com 54 mil autuações.
Quinze minutos no cruzamento da Rua Espírito Santo com a Avenida Afonso Pena, em frente à Igreja São José, no Centro de BH, são suficientes para constatar o quanto o vício de usar o smartphone ao volante está disseminado. Nesse intervalo, 13 motoristas foram vistos mexendo no aparelho, quase um por minuto – a maioria enviando mensagens ou simplesmente deslizando os dedos sobre as telas touchscreen. Eram homens e mulheres, entre eles taxistas consultando aplicativos para buscar passageiros. Os motoristas estavam tanto em movimento quanto parados, mesmo quando o sinal já estava verde.
DOCUMENTÁRIO
Faltam estatísticas em Minas que relacionem o uso do aparelho com os acidentes de trânsito. Nos Estados Unidos, o problema ficou tão grave que uma empresa de telefonia contratou o diretor Werner Herzog para fazer um documentário sobre o assunto. O filme From one second to the next (na tradução, De um segundo para o outro) será exibido nas escolas, com depoimentos de quem perdeu parentes em acidentes provocados por motoristas que mandavam mensagens do celular enquanto guiavam. De acordo com o curta, são 100 mil acidentes provocados todos os anos por esse motivo no país.
O coordenador de projetos educacionais da Associação Brasileira de Educação para o Trânsito (Abetran), o psicólogo Marccelo Pereyra, afirma que o uso do celular na direção é uma epidemia, agravada pelas novas tecnologias. “Acredito ser mais grave que o álcool, pois o uso é mais abrangente e vem crescendo numa velocidade assustadora. O aparelho eletrônico desvia a atenção concentrada do motorista”, ressalta.
Segundo o especialista, o celular ao volante compromete mais de 50% da concentração do condutor. “Só o fato de o celular tocar e o motorista desviar a atenção, é como se ele fechasse os olhos e percorresse 70 metros sem enxergar. É nessa fração de milionésimos de segundo que todo o contexto da segurança no trânsito fica à mercê do telefone”, afirma Marccelo.
Vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o médico Guilherme Durães aponta que o envio de mensagens no trânsito pode ser ainda mais grave em relação às ligações. “Além de tirar a atenção do trânsito, você ainda tira a visão. Um segundo sem ver já pode causar um acidente”, explica o médico, que lamenta a ausência de dados específicos sobre o assunto. “Não sabemos qual a relação das causas do acidente nesses casos, se foi o celular, o DVD ou uma série de eletrônicos que tiraram a atenção do motorista”, completa.
A tecnologia ao volante tem sido um desafio à parte para a fiscalização, em especial o uso de smartphones conectados 24 horas à internet. Os motoristas põem os aparelhos bem rente ao colo, dificultando o flagrante pelos agentes de trânsito. “É difícil ver se os condutores estão manuseando celulares ou tablets. Não dá para detectar fácil”, reconhece o comandante do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran), tenente-coronel Roberto Lemos. Mas, segundo ele, os infratores não ficam imunes às multas.
O comandante explica que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) tipifica a multa clássica do uso do celular como “dirigir usando fones de ouvidos conectados a aparelhagens sonoras ou telefone celular”. Apesar disso, se não for identificado o aparelho, os fiscais podem enquadrar como dirigir sem atenção e cuidados indispensáveis à segurança no trânsito ou dirigir com uma das mãos. “Usando eletrônicos parado ou em movimento, o motorista está contribuindo para aumentar o risco de acidentes”, alerta.
NÚMEROS DE INFRAÇÕES
21.726
multas foram aplicadas pela PM em BH por dirigir ao celular de janeiro a julho
12.741
notificações foram aplicadas por estacionar em local proibido, infração em segundo lugar
34.611
multas por dirigir usando celular foram aplicadas de janeiro a julho pela PM e pela Guarda Municipal
6.117.498
é o número de linhas de telefonia celular cadastradas em junho em Minas Gerais
Fonte: Estado de Minas