O número de procedimentos realizados nas cinco principais câmaras de arbitragem do país aumentou, em uma década, quase dez vezes. Já os valores envolvidos nas disputas somaram R$ 29 bilhões - um terço disso somente no ano passado. Os dados são da pesquisa "Arbitragem em Números e Valores", que teve a primeira edição publicada em 2005.
Naquele ano, havia apenas 21 processos arbitrais, que envolveram R$ 247 mil. Quase nada se comparado aos números de 2014 e 2015. Segundo o levantamento, foram 202 novos casos em 2014, com R$ 10 bilhões envolvidos, e no primeiro semestre deste ano mais 110 procedimentos tiveram início, com cerca de R$ 5 bilhões discutidos.
Os casos envolvem assuntos do dia a dia das empresas. São disputas, principalmente, societárias e sobre fornecimento de bens e serviços. A maioria está relacionada aos segmentos da construção civil e energia.
Especialistas acreditam que com a nova Lei da Arbitragem (13.129), que entra em vigor hoje, haverá aumento do número de processos. Isso porque a nova lei autoriza expressamente situações que geravam dúvidas anteriormente. Entre elas, a possibilidade de as sociedades anônimas incluírem em seus estatutos cláusula para que todos os acionistas sejam submetidos à arbitragem. A nova lei também deixa clara a possibilidade de uso pela administração pública.
"Mesmo antes não havendo impedimento nenhum, existia certa resistência. Agora, com as autorizações explícitas, certamente novos casos serão levados à arbitragem", diz a professora e advogada Selma Ferreira Lemes, autora da pesquisa.
A arbitragem é um método de resolução de conflitos alternativo ao Poder Judiciário. Por meio do sistema, árbitros escolhidos pelas partes decidem a disputa. A previsão, porém, deve estar em cláusula contratual. A decisão arbitral é final, ou seja, não cabe recurso na Justiça. A exceção é se contiver vícios previstos na legislação.
Advogados destacam que, além da nova lei, a crise econômica deve provocar um aumento significativo no uso da arbitragem. Especialista na área, Frederico Straube, sócio do escritório que leva o seu nome, explica que isso deve ocorrer porque em períodos de crise há um número maior de descumprimento de contratos e, consequentemente, surgem conflitos empresariais.
"Há muitas companhias que haviam planejado e contratado investimentos que resolveram, no mínimo, adiá-los, quando não abortá-los integralmente. Isso gera rupturas de contrato", diz.
Ao analisar a tabela de números e valores da arbitragem, ano a ano, percebe-se que o principal salto no uso do procedimento ocorreu justamente durante a crise econômica mundial de 2008. Os dados mostram que em 2007, um ano antes, 30 procedimentos haviam sido levados às câmaras. Já em 2008, o número de novos casos pulou para 77 e, em 2009, com os efeitos da crise, subiu para 134.
Árbitra e membro do conselho de orientação do Instituto de Engenharia, Beatriz Rosa, diz que os efeitos da crise atual já são perceptíveis. Ela afirma que foi consultada para cinco casos diferentes em um período de três meses. Antes eram cerca de três consultas em um ano inteiro. "É uma mudança extraordinária".
Já o advogado Paulo Nasser, sócio da banca Miguel Neto, observa que além dos casos de inadimplência e rompimento de acordos, também é grande a busca pela revisão de contratos. Ele cita o exemplo das locações de longo prazo, com contratos de dez anos, firmadas em uma época em que as circunstâncias do mercado eram completamente diferentes.
Selma enfatiza, no entanto, que o impacto da crise econômica nos procedimentos de arbitragem só poderá de ser confirmado no fim do ano. Segundo ela, a arbitragem tem um processo de maturação que varia entre três e seis meses. Antes de o caso ser submetido a julgamento, as partes tentam resolver o conflito de maneira amigável. Ela diz que alguns contratos inclusive preveem isso.
A professora chama a atenção também que, se levadas em consideração todas as câmaras de arbitragem do país, os números e valores são ainda maiores do que os divulgados. Não consta na pesquisa, por exemplo, dados da CCI, entidade internacional que administra arbitragens nos cinco continentes há mais de 90 anos. O último levantamento mostra que o Brasil é o terceiro em número de procedimentos na entidade. França e os Estados Unidos ocupam as primeiras posições.
O advogado José Antônio Fichtner, jurista que participou da comissão do Senado que elaborou o anteprojeto da nova lei, atribui parte do êxito da arbitragem brasileira à alta taxa de congestionamento do Judiciário. Segundo ele, enquanto na Justiça um processo leva cerca de dez anos para ser concluído, um procedimento na arbitragem demora, em média, 14 meses.
Outro fator é o alto índice de satisfação das partes: 92% dos usuários se dizem satisfeitos.
Fonte: Valor Online