Por Leonardo Léllis
Uma deliberação da Sociedade Internet para a Atribuição de Nomes e Números (Icann, na sigla em inglês) pavimentou caminho para uma nova frente de batalhas judiciais envolvendo marcas na internet. Reunida em Durban (África do Sul) entre os dias 15 e 18 de julho, a Icann liberou o uso de marcas para domínios na rede. Assim, uma empresa poderá ter sua própria marca como domínio no lugar do final padrão, como o “.com.br”. A revista Consultor Jurídico, por exemplo, poderia ter novo endereço em "noticias.conjur", ou "consultor.juridico".
Especialistas alertam, porém, que a nova modalidade de registro abre espaço para o emprego de palavras já utilizadas comercial ou institucionalmente pela empresa que, agora, detém seu próprio domínio. Em uma situação hipotética, é como se a Google tivesse a prerrogativa de registrar o domínio “apple.google”, usando o nome de sua concorrente Apple, mas em um domínio seu. “Não será imediato, mas o problema vai ser quando tivermos novos nomes em cima desses domínios”, diz o advogado especialista em propriedade intelectual Eduardo Otero, do escritório Daniel Advogados.
Em um cenário em que as possibilidades de endereços na internet se aproximam da saturação, a intenção da Icann foi ampliar o leque de opções com a abertura do novo mercado. “As empresas terão que investir ainda mais em meios de aumentar a vigilância de suas marcas. Por conta da eventual aquisição dessas terminações, seus titulares poderão administrar a criação de novos endereços, estabelecendo até regras e preços diferentes dos usuais”, diz Otero.
O registro é para poucos. A Icann cobra US$ 185 mil por pedido e pede comprovação de capacidade técnica para operar o domínio. Além de caro, o processo é complexo. O pedido está sujeito à análise de observadores, que identificam possíveis pontos de conflito, e de objeções de concorrentes. Se duas empresas alegam ter exclusividade sobre algum domínio, a disputa é decidida por arbitragem. A Icann pode simplesmente resolver que o domínio não será utilizado por ninguém ou, em último caso, é feito um leilão.
Por enquanto, gigantes da tecnologia como Google e Microsoft garantiram domínios com os nomes de suas marcas. Já o domínio “.amazon”, pretendido pela livraria virtual, sofre oposição do Brasil e do Peru. Os dois países conseguiram que o Comitê de Aconselhamento de Governos (GAC, na sigla em inglês) se manifestasse contra a concessão. A prefeitura do Rio de Janeiro quer exclusividade sobre o domínio “.rio”. Ao todo, 1,9 mil pedidos já foram feitos.
A liberação é criticada. “Pessoalmente, acho um erro. Ao fazer isso, a Icann está trabalhando como um registrador de nomes e não como gestor. A entidade diminuiu seu status de gestor ao permitir a entrada de usuários”, opina Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
A opinião é compartilhada por Otero, que vê insegurança na medida. O advogado diz que os domínios genéricos deveriam permanecer sob controle da Icann, que não deveria atribuir competência a quem quiser utilizá-los. “Alguns nomes, como shopping, por exemplo, poderiam ser eliminados dessa oferta, evitando um maior número de disputas”, diz. Como alternativa, ele propõe uma maneira de garantir que esses domínios possam ser utilizados por outras empresas interessadas.
Os dois concordam que se a intenção da Icann era aumentar a competitividade, o resultado pode ser oposto. Isso porque as empresas que passarem a deter domínios próprios poderão controlar quais endereços serão registrados.
Para o advogado Helder Galvão, especialista em propriedade intelectual, poderão ocorrer privilégios com a concessão de monopólio de nomes de domínio a determinadas empresas. “Não se pode equiparar o regime de concessão de marcas com nomes de domínio. Essa especialidade, no mundo da internet, é mais complexa e de difícil aplicação.”
Leonardo Léllis é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 8 de agosto de 2013