No último dia 10 de julho, foi apresentado o relatório do senador Blairo Maggi (PR-MT), na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em relação à PEC 53. O documento previa a manutenção da tramitação da matéria, mas rejeitou o dispositivo que afastava a garantia da vitaliciedade dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Publico.
A CCJ, porém, não deliberou sobre o assunto. Foi aberta vista conjunta a todos os seus membros, para que posteriormente seja votado o tema e encaminhado ao Plenário. Tal fato torna importantíssima a discussão sobre a possibilidade, ou não, de emenda constitucional que suprima a mais importante garantia institucional de liberdade dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.
A vitaliciedade é garantia extraordinária concedida constitucionalmente e de maneira taxativa às carreiras da magistratura, Ministério Público e membros dos Tribunais de Contas. A perda do cargo somente poder ser decretada após sentença judicial transitada em julgado. Para os magistrados e membros do Ministério Público que ingressam mediante concurso de provas e títulos, a aquisição da vitaliciedade ocorre após estágio probatório de dois anos. Para aqueles que ingressam no Supremo Tribunal Federal, tribunais superiores, tribunais de segunda instância (pelo denominado “quinto constitucional”) e tribunais de contas, sua aquisição ocorre imediatamente com a posse.
Essa garantia visa consagrar a esses agentes políticos a necessária liberdade de atuação, afastando-os de preocupações com pressões e ingerências políticas no exercício de suas atividades. O que não consiste, porém, “cláusula de impunidade”, pois a perda do cargo poderá ocorrer por sentença judicial transitada em julgado, após o devido processo legal.
Seria possível ao Congresso Nacional, no exercício de seu poder de reformar a Constituição Federal, aprovar o texto original da PEC 53, transformando-a em emenda constitucional para afastar das citadas carreiras a vitaliciedade? Acredito que não.
A alterabilidade constitucional, embora se possa traduzir na alteração de muitas disposições da Constituição, sempre conservará um valor integrativo, no sentido de que deve deixar substancialmente idêntico seu sistema originário. As emendas constitucionais servem para alterar a Constituição, adaptando-a e aprimorando-a, mas não devem ser utilizadas para mudar radicalmente seu espírito, uma vez que a revisão constitucional não é o meio propício para gerar rupturas institucionais ou mesmo para realização de revoluções constitucionais. Não se presta para isso o poder constituinte derivado, mas uma nova Assembleia Nacional Constituinte.
A Teoria Constitucional aponta a necessidade de um núcleo constitucional mínimo e irredutível que proteja a separação de poderes, consagrada em nosso texto magno como cláusula pétrea (CF, artigo 60, parágrafo 4º, inciso III). Isso de modo a defender a manutenção de órgãos autônomos e independentes na estrutura do Estado, principalmente por estarem encarregados da defesa da legalidade, moralidade pública, regime democrático e direitos e garantias fundamentais.
Essa proteção constitucional à separação de poderes, por óbvio, engloba a proteção das garantias institucionais do Poder Judiciário e do Ministério Público, especialmente àquelas destinadas a efetivar a liberdade de atuação, entre elas a vitaliciedade.
Por mais razoável e importante que seja a preocupação demonstrada pelo relatório do senador Blairo Maggi — “quanto ao mérito, compartilhamos da preocupação dos ilustres autores das duas proposições no sentido da necessidade do aperfeiçoamento do regime disciplinar aplicado aos magistrados e aos membros do Ministério Público” —, não será possível, por meio de emenda constitucional, afastar a vitaliciedade do Poder Judiciário e Ministério Público. Desse modo, estaríamos permitindo grave desrespeito ao núcleo imodificável da Constituição, com deformação da vontade soberana do poder constituinte e consequente erosão da própria consciência constitucional, que pretendeu proteger esses agentes políticos de indevidas pressões relacionadas à perda do cargo, que acabassem por esvaziar ou diminuir o exercício de suas importantes funções.
Entendemos ser possível compatibilizar a preocupação demonstrada pelo Congresso Nacional em aperfeiçoar o regime disciplinar aplicado aos magistrados e aos membros do Ministério Público — expurgando de seus quadros aqueles que subvertem o exercício de suas funções, desviando-se do cumprimento da lei, maculando suas próprias Instituições e transformando-se em agentes ímprobos e criminosos — com a necessidade de manutenção da vitaliciedade como garantia dos agentes que primam pela defesa do regime republicano, de estado democrático e dos direitos fundamentais.
A edição do novo Estatuto da Magistratura — exigência constitucional descumprida após aproximadamente 25 anos da promulgação da Constituição Federal (CF, artigo 93, caput) — e a alteração ao Estatuto do Ministério Público da União (LC 75/1993) e da Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos (Lei 8.625/1993) podem estabelecer órgãos jurisdicionais específicos (CF, artigo 5º, incisos XXXVII e LIII) e procedimento judicial célere e com razoável duração do processo (CF, artigo 5º, inciso LXXVIII), para as ações ajuizadas para perda do cargo, respeitando-se o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório (CF, artigo 5º, incisos LIV e LV). Isso também pode garantir a toda sociedade uma prioritária, rápida e eficaz decisão sobre as acusações de práticas de atos ilegais, criminosos e lesivos por parte de magistrados e membros do Ministério Público.
Acreditamos, portanto, que a CCJ do Senado Federal aprovará o parecer apresentado no tocante a manutenção da vitaliciedade aos magistrados e membros do Ministério Publico. Esperamos ainda que o Supremo Tribunal Federal envie rapidamente projeto de Estatuto da Magistratura, de maneira a garantir um procedimento judicial célere e prioritário para as hipóteses de perda de cargo, que igualmente deve ser adotado pelo Congresso Nacional nas hipóteses legislativas referentes ao Ministério Público.
Alexandre de Moraes é advogado e chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, onde é professor livre-docente de Direito Constitucional.
Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 2013