Consolida-se, aos poucos, a percepção de que os ministros do Supremo Tribunal Federal estão dispostos a modificar a imagem da corte perante a população e converter em exceção a regra da impunidade que sempre vigorou para os políticos brasileiros.
Há pouco mais de um mês, o STF mandou prender o deputado federal Natan Donadon (ex-PMDB-RO), condenado em 2010 por desvios cometidos nos anos 1990 na Assembleia Legislativa de Rondônia. Foi a primeira ordem de prisão expedida contra parlamentar desde a redemocratização do país.
Agora, pela primeira vez na história, o tribunal condenou um senador da República. Ivo Cassol (PP-RO) foi sentenciado a mais de quatro anos de prisão por crimes praticados quando foi prefeito de Rolim de Moura (RO), de 1997 a 2002.
De forma unânime, os ministros do Supremo entenderam que o parlamentar participou de um esquema de fraude a licitações do município, em benefício de empresas de seu interesse.
O senador, que se declara inocente, poderá recorrer em liberdade. Se a decisão for mantida, ele cumprirá sua pena em regime semiaberto --pelo qual deve recolher-se ao presídio somente à noite.
Como ambos os processos têm mais de dez anos de tramitação nos escaninhos do Judiciário, é difícil não ver, na opção por analisá-los neste momento, alguma influência das manifestações de junho. Seria injusto com o tribunal, no entanto, deixar de assinalar que, do ponto de vista do STF, o divisor de águas localiza-se no julgamento do mensalão.
Há duas novidades, porém, no que respeita à ação penal 470. Por 6 votos a 4, o STF estabeleceu que cabe ao Congresso, e não ao Judiciário, decidir se Ivo Cassol deverá perder seu mandato de senador.
Por força dos votos de Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, essa interpretação difere da que foi dada aos casos de congressistas condenados pelo mensalão --julgamento do qual os dois não participaram. Naquela ocasião, por 5 votos a 4, a corte arrogou para si a função de cassar os mandatos.
Desfaz-se, com o novo entendimento, esse desnecessário atrito entre Legislativo e Judiciário.
Para além da disputa a respeito de competência, os argumentos no caso do senador estimulam especulações sobre os recursos do mensalão, que devem ser discutidos a partir da semana que vem.
Os dois novos ministros, no julgamento de Cassol, se mostraram simpáticos a uma definição mais estreita do crime de formação de quadrilha. Acompanham, quanto a esse delito, colegas que votaram, no mensalão, contra a condenação de José Dirceu e Delúbio Soares.
Seus votos, em eventual reexame processual, podem livrar os petistas de cumprir penas inicialmente em regime fechado --medida que decerto teria impacto na opinião do público a respeito da corte.
Repete-se, com força renovada, a dificuldade de encontrar o ponto de equilíbrio entre a técnica jurídica e seus aspectos políticos --e não há como saber qual será a posição dos novos ministros.
Folha de São Paulo, 10 de agosto de 2013