Bruno Terra Dias*
O tempo passa, e as instituições devem se aperfeiçoar. Como as instituições, as pessoas também devem crescer no plano da ética, seja geral ou segmentar. Nessa ordem, algumas profissões são valorizadas e outras, depreciadas, conforme os condicionantes de cada época. Banqueiros, que já foram condenados na Idade Média pela prática da cobrança de juros, hoje são profissionais de alta respeitabilidade; em qualquer momento da civilização, um banqueiro não acusou outro por prática onzenária impunemente. Senhores de escravos fizeram da Grécia, na antiguidade, uma democracia; escravizar alguém, hoje, é grave violação de direitos humanos e constitui crime infamante. Subtrair coisa alheia móvel é crime, pois atenta contra a normalidade da ordem privada; mas subtrair um pão, para aplacar a fome daquele que pode morrer de inanição, restaurando direito de ordem pública (direito à vida), é ato nobre.
Há, no tempo e no espaço, variações quanto à apreciação de profissões e atos, analisados sob influxo de normas, conceitos e, tantas vezes, de preconceitos. Nos dias que correm, tendo o Brasil a pretensão de ser reconhecido como uma democracia, alguns valores devem orientar a conduta de cada cidadão e fornecer sólida base para a análise e a crítica dos acontecimentos. A fim de viabilizar a vida em comum, podem ser reconhecidos como valores de conteúdo essencial à afirmação do nosso país como centro de verdadeira cultura: respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo. Sem compreensão desses valores, e aplicação cotidiana na vida pública e nas relações privadas, não honraremos os fundamentos e os objetivos fundamentais inscritos já no Título I da Constituição Federal de 1988.
Com essa carga de significados, deve ser lido e interpretado o Código de Ética da Magistratura, de observância necessária até mesmo pelos membros dos tribunais superiores e do Conselho Nacional de Justiça. Ou suas normas são impositivas a todos, magistrados judicantes e membros do órgão de controle, ou o sistema de princípios estará irremediavelmente rompido; é incompatível com o republicanismo que os membros do órgão de controle não estejam submetidos pelo menos às mesmas regras éticas impositivas à generalidade da classe fiscalizada. Especialmente os valores da imparcialidade e da cortesia devem nortear a conduta de todos os magistrados, não ensejando situações de discriminação e/ou vilipêndio à condição dos colegas de profissão.
Nesse contexto, como considerar os vocábulos “bandidos” e “vagabundos”, utilizados recentemente para qualificar uma fração do corpo da magistratura nacional, sem especificar aqueles a quem são dirigidas tais imprecações? Indubitavelmente, o conteúdo culturalmente atribuído aos adjetivos em questão é infamante, não dignificando a pessoa assim referida. Aos olhos do público, não identificados quais seriam os “bandidos” ou “vagabundos”, como são vistos os juízes em geral? Os magistrados são indiferentes a essa sucessão de adjetivos desqualificadores?
Um público melhor informado não identifica a classe dos magistrados como merecedora de adjetivação depreciativa. Os magistrados também não se consideram merecedores, individual ou coletivamente, da distinção demeritória. Ainda assim, choca o senso comum o emprego de linguagem acre e despojada de cuidados cívicos na referência a membros do Judiciário. Maior elevação e polidez, aliadas a uma consciência de responsabilidade pelas consequências de atos e opiniões, é o que se espera de quem investido nos mais altos cargos da República.
Não merecem os magistrados, assim como não merece nenhuma classe de profissionais honestos, que o destempero verbal de um, transitório como a vivência de cargos e funções públicos, torne-se fórmula de emprego geral. A repercussão momentânea de uma declaração não suficientemente sopesada pode agradar o ego do prolator, mas a todos prejudicará se for repetida com intenção de tornar-se simulacro com aparência de veracidade e força de convencimento. O destino dos bons restará amargamente selado se calarem ante flagrantes injustiças.
*Presidente da Amagis