O economista americano Albert Fishlow, que criou o Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Colúmbia, dedica-se a uma pesquisa interessante. Ele pretende demonstrar que a principal alavanca da estabilidade política e econômica do Brasil foi o Judiciário — com o concurso do Ministério Público — que ele considera, no formato brasileiro, a principal invenção da Constituição de 1988.
Haverá quem discorde de Fishlow, mas não quem duvide que o Judiciário hoje é um poder de Estado que também governa o país. Os juízes desceram, voluntariamente ou não, da sua torre de marfim, tiveram seu trabalho desmistificado, viraram personagens do noticiário — seja como pop stars, seja como acusados de alguma coisa. Mais prestígio, mais problemas.
Ora sob aplausos, ora sob vaias, a cabeça do sistema, o Supremo Tribunal Federal bateu recordes de audiência no ano que passou. Em 2009, não será diferente. O tribunal vai aprofundar as garantias dos direitos fundamentais de caráter positivo (saúde, educação e direitos sociais em geral). Vai ser saudado por especialistas pela coragem, mas espantará quem pensa, por exemplo, que restringir uso de algemas é defender o crime.
A fricção com o Legislativo vai se agravar. O tribunal continuará suprindo as omissões nas normas escritas para assegurar direitos que não podem ser exercitados por falta de lei. No campo da política e da administração pública, obrigações até agora ignoradas passarão a ser cobradas.
Esse exercício de futurologia é possível por duas razões: por ser desdobramento de uma trilha que os ministros passaram a empreender nos anos recentes e porque a segurança jurídica deixou de ser uma abstração no país.
Outra previsão fácil de fazer: o sistema judicial vai começar a se livrar de sua maior humilhação, que é a longa demora para resolver conflitos simples e o enorme volume de processos. Finalmente, a escalada, que por décadas faz com que o estoque de processos só aumente, vai inverter. As súmulas vinculantes do STF e o bloqueio de recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça vão mostrar a que vieram.
Esse processo de racionalização foi semeado por Gilmar Mendes antes de chegar ao STF. Primeiro com projetos de leis, depois com a mudança da Constituição, seguida de inovações no regimento interno do Supremo e agora se completa com a recriação do Conselho Nacional de Justiça — que passa a trabalhar na uniformização de procedimentos dos tribunais, todos construídos pelo mesmo arquiteto que projetou a Torre de Babel.
É evidente que a imprensa continuará empenhada em discutir bobagens como um ou outro Habeas Corpus para alguém impopular ou fará grande estardalhaço com uma decisão ridícula como foi a mera aceitação de denúncia no caso do mensalão. Mas, para um país que só prestava atenção em futebol, novela e religião, convenha-se, é um avanço extraordinário passar a debater decisões do STF, o papel da Polícia Federal ou o significado do direito de defesa.
Nessa gigantesca sala de aula, não é só a população que tem assento. Também juízes, promotores e advogados vivem seu aprendizado. Ao mesmo tempo em que a vida do país judicializa-se, o Judiciário se politiza. Ou seja: cada vez mais a Justiça interfere nas relações sociais, mas a magistratura já não é um corpo isolado da sociedade. Fiscalizados de perto pela população, os juízes agora preocupam-se com a repercussão de suas decisões.
O ano de 2009 ainda será um tempo de transição. Ao mesmo tempo em que mudanças menos recentes se consolidarão, haverá conflitos que se vão radicalizar, como os que foram personificados em 2008 por Gilmar Mendes e Fausto de Sanctis. Mas, para o bem e para o mal, são fases que precisam ser vividas para que a tese de Fishlow se confirme.
Fonte: Conjur