por Rodrigo Haidar

O combate à lentidão da Justiça não tem de ser feito só com grandes e complexas reformas processuais ou atos que provoquem reviravoltas no cotidiano do Judiciário. Pequenas mudanças internas na burocracia dos tribunais podem implicar em transformações de porte considerável. É o que pretende provar o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Cesar Asfor Rocha.

Desde que assumiu o comando da Corte, há menos de três meses, Asfor Rocha implantou uma série de medidas para identificar os gargalos do tribunal e ultrapassá-los. Por exemplo, sabe-se que há acórdãos que demoram meses para ser publicados e, conseqüentemente, atrasam a execução da decisão ou o direito ao recurso. Para evitar os atrasos, o tribunal adotou a seguinte regra: o ministro redator do acórdão tem 20 dias para fazer correção de notas taquigráficas. Se ele não corrige nesse prazo, o acórdão é publicado.

O ato é típico do estilo de administrar do ministro, impresso em todos os cargos de direção que ocupou nos últimos anos. Foi corregedor-geral da Justiça Eleitoral de 2006 a 2007. Pouco depois de sair do TSE, assumiu a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. E foi aí que mais inovou e se preparou para administrar o STJ.
No CNJ, Asfor Rocha criou o Sistema Justiça Aberta, por meio do qual se pode acompanhar a produção mensal dos juízes de primeira instância da Justiça Estadual de todo o país. E fez levantamentos para descobrir quantos processos havia em andamento no país, quantos cartórios extra-judiciais existiam, se os juízes moravam nas comarcas em que trabalhavam, entre outros dados gerenciais importantes aos quais, antes dele, ninguém deu importância. Implantou também o processo eletrônico na Corregedoria. Quando deixou o posto, 90% dos processos sob sua responsabilidade eram digitais.

O objetivo de tais levantamentos, segundo ele, é descobrir anomalias para tomar medidas gerenciais que superem os problemas do Judiciário. À frente do STJ, seus primeiros atos demonstram a mesma preocupação. Mandou fazer pesquisas para identificar problemas e atacá-los pontualmente. Neste posto, seu principal alvo, conforme indicam suas ações, será a lentidão judicial.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o ministro contou também que a entrada em vigor da lei de recursos repetitivos evitou que quase 10 mil recursos fossem distribuídos aos gabinetes dos ministros. São processos sobre temas que já foram afetados para julgamento em bloco por alguma das três seções do tribunal ou pela Corte Especial. Até agora, 52 temas foram afetados para julgamento em bloco. Destes, 12 já foram julgados e devem colocar fim em milhares de processos. “Há demandas permanentes e semelhantes contra companhias telefônicas, de eletricidade, contra o sistema financeiro, o fisco. É preciso ter soluções de massa para atacar demandas de massa”, defende.

Leia a entrevista:

ConJur — Em seu discurso de posse, o senhor disse que hoje em dia é possível saber quando uma demanda começa, mas é impossível prever quando ela termina. O que foi feito em sua administração para que se possa ao menos estimar o tempo de duração de um processo?
Cesar Asfor Rocha — Primeiro, fizemos um levantamento de todos os processos que tramitam no tribunal para saber exatamente onde se encontram, há quanto tempo e qual é a carga de trabalho de cada ministro. Encontramos algumas distorções. Havia processos que estavam sob a responsabilidade de ministros que já deixaram o tribunal, por exemplo.

ConJur — Quantos processos?
Asfor Rocha — Eram 1.462 processos. Mas verificamos que muitas destas ações tinham erros técnicos ou de anotações, que precisavam de ajustes relativamente simples. Feitas as correções, restaram 610 processos. Formamos, então, uma comissão para descobrir o destino destes processos. Se ainda estão aqui no STJ ou se já saíram e, por algum equívoco, constam como se aqui estivessem.

ConJur — O que mais o levantamento identificou?
Asfor Rocha — Ele permitiu que fosse entregue a cada ministro a relação da situação de todos os processos sob sua responsabilidade. Hoje o ministro sabe quantos processos estão no gabinete para julgamento, quantos estão com pedido de vista de colegas e quantos estão com o Ministério Público ou com advogados. Também sabe se os processos estão aguardando publicação de decisão. Neste caso, vamos identificar porque a decisão ainda não foi publicada: por algum equivoco da coordenação de publicação ou porque estava aguardando, por exemplo, um laudo taquigráfico ou uma declaração de voto vencido. A partir desse diagnóstico iremos identificar e atacar os pontos de estrangulamento no tribunal.

ConJur — E quais são os principais pontos de estrangulamento já identificados?
Asfor Rocha — São a distribuição do processo e a publicação do acórdão. O tempo entre o pedido feito ao STJ e a chegada do processo ao gabinete do ministro é longo, quando isso deveria ser imediato. A publicação de acórdãos nós nem sabemos ainda quanto demora, mas sabemos que é muito tempo. Com esse trabalho vamos diminuir o tempo de publicação das decisões.

ConJur — E o que será feito para melhorar a distribuição de processos?
Asfor Rocha —O recurso ao STJ é autuado e classificado no tribunal de origem. Só aí ele é enviado fisicamente ao STJ e, depois, distribuído. Nossa idéia é trabalhar junto aos tribunais de Justiça e tribunais regionais federais para que a autuação seja eletrônica e o processo venha ao STJ por meio digital. Se conseguirmos criar um canal para isso, calculamos uma redução de quatro meses no tempo que compreende a autuação até a distribuição.

ConJur — Por que a distribuição dura quatro meses?
Asfor Rocha — Chega a durar tudo isso porque a carga é muito grande. Imagine mais de 300 mil processos fisicamente remetidos para cá todos os anos, de todos os estados. Alguns desses processos com vários volumes. É uma carga tão grande que logo não teremos mais onde colocar esses processos. Se nós digitalizarmos o recurso especial vamos ter uma economia de tempo muito grande. E vamos remeter aos gabinetes dos ministros, por meio eletrônico, as peças essenciais do recurso. Se o ministro tiver necessidade de mais peças, ele pode solicitar. O trâmite eletrônico facilita muito e traz economia de tempo e dinheiro.

ConJur — Com simples atos de gestão. Só mudança de procedimento, sem mexer no processo...
Asfor Rocha — São pequenos atos que trazem grandes mudanças. Por exemplo, voltando à questão da publicação de acórdãos. Nós já estamos obedecendo a uma posição da Corte Especial no sentido de atribuir cerca de 20 dias para o colega fazer correção de notas taquigráficas. Se ele não corrige nesse prazo, o acórdão pode ser publicado imediatamente. Outra medida tomada antes para apresar o julgamento do processo foi reduzir o número de ministros da Corte Especial. Eram 22 ministros que compunham a Corte: o presidente, o vice, o corregedor, coordenador da Justiça Federal, mais os seis ministros mais antigos de cada Seção.

ConJur — Hoje ela é formada pelos 15 ministros mais antigos do tribunal.
Asfor Rocha —Sim. E nós sabemos que quanto maior o colegiado, mais demorado é o julgamento porque há mais gente para se manifestar, para pedir vista. A Corte Especial composta pelos 15 ministros mais antigos também é mais célere porque os ministros têm mais tempo de casa e, por isso, conhecem mais a jurisprudência do tribunal. E quanto mais se conhece o órgão, mais rápido se julga. Hoje, por exemplo, é raro ficar processos pendentes nas sessões da Corte Especial. E não houve mais necessidade de fazer nenhuma sessão extraordinária.

ConJur — Qual a expectativa do impacto da lei de recursos repetitivos na carga de trabalho do tribunal?
Asfor Rocha — Os ministros já despertaram para a necessidade de identificar quais são as chamadas demandas de massa e decidi-las dentro do procedimento de recursos repetitivos. Há demandas permanentes e semelhantes contra companhias telefônicas, de eletricidade, contra o sistema financeiro, o fisco. É preciso ter soluções de massa para atacar demandas de massa. Se nós formos dar decisões manufaturadas para cada um desses processos, não conseguiremos dar vazão à carga. A questão dos processos é a mesma e por isso pode ser tratada de uma vez.

ConJur — Recentemente, o senhor disse que com 10 julgamentos o STJ eliminará 120 mil recursos com base na lei. É um terço da carga do tribunal. O senhor acredita que no fim do seu mandato à frente da Corte, a carga será menor? Quanto?
Asfor Rocha — Hoje cada ministro recebe, em média, pouco mais de 10 mil processos por ano. Seguramente, vamos chegar a mil processos para cada ministro. Claro que é preciso empolgar também os tribunais para que isso aconteça.

ConJur — Porque o sucesso da lei de recursos repetitivos depende muito da boa vontade da segunda instância, já que ele não tem efeito vinculante...
Asfor Rocha — A lei é um instrumento democrático, na medida em que não impõe ao tribunal a obrigação de seguir nossa orientação. Se quiser, o tribunal não segue, mas a parte que ganhou lá saberá que perderá se houver recurso para o STJ. É preciso preservar a autonomia, a liberdade e a independência dos juízes, mas temos de mostrar que quando a orientação pacífica da corte superior é contrariada, ele cria uma expectativa para a parte, que será frustrada. Ou perpetuará uma injustiça. Por exemplo, e se o advogado perde o prazo para recorrer contra a decisão que certamente seria reformada no STJ. Quem perde é o cidadão, a parte que não teve seu direito reconhecido.

ConJur — A aplicação da lei encontra resistência?
Asfor Rocha — Há certa resistência. Os juízes, por exemplo, podem achar que irão alterar a jurisprudência do tribunal com uma sentença bem elaborada, mas a sentença vai ficar perdida nos autos se a questão já estiver pacificada aqui. Advogados também oferecem certa resistência à lei porque ela fará cair o número de processos em andamento e reduzirá a possibilidade de recursos.

ConJur — Porque todos terão conhecimento, com mais clareza, da posição do tribunal sobre determinado tema...
Asfor Rocha — Se o recurso for contrário à posição fixada pelo tribunal com base na lei de recursos repetitivos, já se saberá de antemão que não tem nenhuma perspectiva de êxito. Isso atende não só à necessidade de enfrentar de modo racional a montanha de processos, mas prestigia os princípios da segurança jurídica e da previsibilidade das decisões. Já que ainda não podemos dizer quanto vai durar o processo, devemos nos concentrar em, pelo menos, atender ao princípio da previsibilidade mostrando qual a posição do Judiciário sobre os temas o mais rápido possível.

ConJur — Acabarão as falsas esperanças de ganhar determinadas causas.
Asfor Rocha — E as empresas poderão se programar melhor porque saberão de antemão como determinado tema será tratado pelo Judiciário. Não podemos ficar nessa oscilação de jurisprudência e, mais do que isso, alimentar uma ânsia que é prejudicial ao país.

ConJur — A Corte Especial ganhou um reforço para as matérias penais?
Asfor Rocha — O Conselho de Administração decidiu convocar cinco juízes com atuação na área criminal para auxiliar os ministros da Corte Especial nos processos penais. Os juízes não serão vinculados a nenhum ministro. Sua vinculação será com a Corte Especial. Se há um processo com 20 testemunhas para ouvir, eles farão esse trabalho por delegação e, assim, daremos vazão às causas penais originárias.

ConJur — Por que a convocação?
Asfor Rocha — O STJ não é um tribunal vocacionado para ter processos originários na área penal. Quem é vocacionado para isso, na verdade, é o juiz de primeiro grau. Por isso há demora na instrução de processos criminais no STJ. Como há milhares de processos para julgar, sem que nós percebamos, acabamos por deixar de lado as questões mais complexas, como as criminais.

ConJur — O juiz julga questões mais simples para poder julgar mais. O número de processos julgados incomoda os ministros?
Asfor Rocha — Se o ministro aparece nas estatísticas com cinco processos julgados em um mês, será apontado como ministro que não trabalha. Mas ele pode ter trabalhado até mais do que outro que julgou 1,5 mil.

ConJur — Quanto tempo demora a instrução de um processo penal no STJ?
Asfor Rocha — Para ser sincero, o que nós procuramos é evitar a prescrição, porque a demora é grande. O princípio da ampla defesa garante que cada parte arrole seis testemunhas. Então, se o réu quer atrasar o andamento, ele indica seis testemunhas em seis estados diferentes. E, normalmente, os processos de nossa competência têm mais de um réu. O ministro precisa de muito tempo para instruir o caso, e não pode dispor desse tempo senão seu gabinete pára. Por isso, os juízes auxiliares farão esse trabalho por delegação.

ConJur — Não é hora de informatizar esses procedimentos?
Asfor Rocha — Sim. E estamos fazendo isso. Em 30 dias, por exemplo, todos os processos da competência da Presidência, como Suspensão de Segurança, Suspensão de liminares, Reclamação, Agravo Regimental, terão andamento exclusivamente digital. Em um mês vamos eliminar o papel nos casos de minha competência.

ConJur — No CNJ, o senhor implementou diversos atos processuais exclusivamente digitais, não? O Sistema Justiça Aberta é todo informatizado...
Asfor Rocha — E há mais. A última sessão do Conselho da Justiça Federal (CJF) foi toda eletrônica. Sem papel. A sessão costumava durar três horas. A última acabou em 40 minutos. Também iremos acabar com o papel nos processos administrativos no CJF e no STJ. Isso gera segurança e economia. No Conselho, o prazo de implantação é de dois meses. No STJ, a idéia é que em seis meses não haja mais papel para tratar os processos administrativos.

ConJur — O que o Poder Executivo pode fazer para ajudar o Judiciário a combater sua lentidão?
Asfor Rocha — Pode fazer muito. Justiça seja feita, é preciso reconhecer que há sinais de que o Executivo começa a abandonar a idéia de usar o Judiciário como instrumento de financiamento de suas dívidas. Mas ainda são apenas sinais. Por exemplo, os Juizados Especiais Federais cuidam fundamentalmente de processos previdenciários. Muitos desses temas questionados já foram decididos reiteradamente contra o Executivo. Então, qual o motivo de insistir na causa? Não há outro motivo senão a necessidade de fazer um financiamento da dívida para não ter que pagar agora. Mas o Executivo parece não perceber que ele é quem paga a conta do Judiciário. Jogar a dívida para frente sai muito mais caro. E há o problema das execuções fiscais.

ConJur — Como assim?
Asfor Rocha —O Sistema Justiça Aberta do CNJ nos permitiu ter os dados de todas as varas do Judiciário Estadual do Brasil. E nós vimos que há processos que são indevidamente debitados na conta do Judiciário. Em junho passado, por exemplo, havia 46 milhões de processos em andamento nas varas de primeira instância no país. Um terço dos processos estava nas varas da Fazenda Pública estadual e municipal. Seguramente, 90% desses processos estão parados porque não se localiza o devedor ou não se acha bem para satisfazer a dívida. O Poder Público demora a executar e quando resolver cobrar, a empresa devedora já vendeu seu acervo. E aí o governador e o prefeito falam: “A Justiça não faz nada”.

ConJur — E o Legislativo, tem culpa nesse quadro de lentidão?
Asfor Rocha — Muito pouca. Pode ter pela demora para elaborar leis modernas. Mas isso faz parte do regime democrático. Eu compartilho do entendimento de que se o processo legislativo é demorado, não é por desídia do legislador. É porque o sistema é complicado, formal. Nós temos as nossas formalidades aqui. Eles têm as deles. O Congresso tem sido extremamente sensível às nossas reivindicações.

ConJur — E os advogados? Em outro trecho do seu discurso de posse o senhor se referiu a torvelinhos processuais, insídia de armadilhas recursais e chicana para obter proveitos capitosos. Os advogados têm culpa pela lentidão?
Asfor Rocha — Alguns, sim. Os que sabem que não terão êxito, mas alimentam a esperança do cliente de ganhar a ação. Há uma parcela de advogados, por exemplo, que não está feliz com a lei de recursos repetitivos, assim como não querem ouvir falar da súmula impeditiva de recursos. Porque isso atinge o mercado de trabalho. Não estou nem dizendo que eles estão errados em defender o contrário. Só estou constatando que há advogados que são contrários a essas medidas. Hoje, por exemplo, eu tenho consciência de que a Súmula Vinculante é absolutamente necessária para o Supremo Tribunal Federal. Mas havia uma parcela de advogados insuflando os magistrados a se rebelar porque o instrumento estaria sangrando a independência do julgamento. Talvez, se nós fossemos advogados, também seríamos contra essas medidas.

ConJur — Falando em advocacia, ainda há possibilidade de uma saída diplomática para o impasse da lista do quinto constitucional?
Asfor Rocha — Torci muito e trabalhei por isso, mas não acredito mais nessa hipótese. Hoje, há decisão nossa em um Mandado de Segurança que nos impede de recuar, porque só é passível de reforma pelo Supremo. Se a decisão ainda fosse apenas administrativa, poderíamos refletir. Mas agora não podemos mais. Há decisão judicial no sentido de não votar a lista sem limite. E isso cria um problema porque hoje o tribunal tem duas cadeiras vazias, o que significa dizer que cerca de 3 mil processos estão deixando de ser julgados por mês.

ConJur — Mas, por que o STJ decidiu não votar a lista?
Asfor Rocha — No dia 12 de fevereiro, sem qualquer movimento prévio, o STJ não deu aos candidatos o número de votos necessários para formar a lista tríplice. Isso não significa uma agressão à OAB. Como o presidente da corte estava há dois meses do final do mandato e com muitos afazeres, a questão não foi tratada como deveria. Não houve um trabalho de explicação ao Conselho Federal da OAB. Quando eu assumi Presidência, levei uma proposta de composição. Como já havia duas vagas abertas, a OAB faria uma lista com 12 nomes — os seis que não tiveram votos suficientes e mais seis. E, como de hábito quando se preenche duas vagas da mesma classe, nós reduziríamos a lista para quatro nomes. E enviaríamos ao presidente da República uma lista quádrupla. Não encontrei resistência ou reações contra a proposta, pensei que seria aceita. Mas não tive resposta e, agora, a questão está no Supremo.

ConJur — O senhor ainda considera o quinto constitucional uma formula válida de oxigenação dos tribunais?
Asfor Rocha — Eu considero uma fórmula de indicação válida e legítima. Mas não de oxigenação. Explico: há integrantes do quinto constitucional que, de fato, oxigenam os tribunais. Mas há outros que podem ser mais conservadores e retrógrados do que qualquer pessoa. Por outro lado, há magistrados de carreira que são muito mais avançados do que colegas que vieram do quinto. A grandeza da composição de um tribunal como o STJ está exatamente no fato de ser feita com visões complementares, que vêm da magistratura estadual e federal, do Ministério Público estadual e federal e da advocacia. O advogado vê o mundo jurídico, o processo, de uma perspectiva que o juiz não vai ver nunca. Assim como o juiz vê as questões de uma perspectiva que o advogado vai custar muito a ver. Depois de muitos anos de tribunal é que ele conseguirá enxergá-la. Ou seja, o quinto é salutar, mas não é por conta de oxigenação.

ConJur — O que os ministros do STJ podem fazer para manter a qualidade de seus quadros?
Asfor Rocha — Escolher bem a lista tríplice. E escolher bem a lista é preservar a necessidade de que os nomes tenham maioria absoluta dos votos.

ConJur — O STJ tem, hoje, dois desembargadores convocados. Há advogados que defendem que os convocados deveriam ficar no tribunal por prazo pré-estabelecido, porque senão acabam se tornando ministros por vias transversas. O que o senhor acha disso?
Asfor Rocha — Há alguns critérios para a convocação de um desembargador. O primeiro é que ele já tenha 65 anos de idade. Assim, ele não pode concorrer a uma vaga de ministro e não será privilegiado por conta da convivência com os colegas no tribunal. E também não ficará no tribunal por mais de cinco anos. Acho que prazos de um ou dois anos não seriam bons porque quando a pessoa vai tomando consciência do que é o tribunal, de sua jurisprudência, começa a conhecer a cultura de julgados da corte, tem de sair. É preciso de mais tempo, sobretudo no caso de desembargadores, que chegam aqui com a cultura de julgar apelação, que é matéria de fato. Completamente diferente de matéria de direito, que é o que julgamos aqui.

ConJur — Por julgar matéria de direito, a jurisprudência do tribunal não deveria oscilar menos? Seu antecessor via na renovação da jurisprudência um problema. Mas só no governo Lula, metade do tribunal foi renovada. Com a chegada de novos ministros, não é natural a mudança de entendimento?
Asfor Rocha — Isso é problemático. Nós não podemos alimentar a insegurança jurídica. Quando o tribunal tem uma posição firmada, só pode mudar de orientação mediante prévio debate no qual se demonstre a necessidade da mudança. Eu não posso querer mudar a jurisprudência para impor minha posição.

ConJur — Mas, se a sociedade muda, a jurisprudência não pode ficar estática?
Asfor Rocha — Claro. Mas é preciso mudar com bom senso. Por exemplo, a 2ª Seção do STJ, da qual eu fiz parte, tinha jurisprudência extremamente protecionista ao devedor. O que acontecia? O devedor entrava com recurso alegando que os juros da dívida eram escorchantes e conseguia impedir que o bem financiado fosse apreendido ou que seu nome fosse negativado. Mas, em um mesmo dia, eu peguei dois casos que me fizeram debater a mudança de jurisprudência. O de um cidadão que comprou um BMW, não pagou, e entrou com ação revisional alegando que os juros eram abusivos. E o de uma senhora que obteve um cartão de crédito, viajou para o exterior, gastou US$ 20 mil, não pagou, e estava reclamando dos juros. Eu reuni a seção e sustentei que nossa orientação cumpria com a finalidade de evitar o abuso dos credores. Mas havia casos em que a boa-fé do tribunal estava sendo usada para pessoas darem golpes. Aí eu propus a mudança do entendimento: para que fosse dada liminar, o devedor teria de depositar a parte inquestionável da dívida. E aí discutiria os juros. A 2ª Seção discutiu e mudou o entendimento. Mas com uma solução debatida, não uma vontade minha imposta ou um ato de rebeldia contra a jurisprudência do tribunal.

ConJur — Sem oscilar repentinamente...
Asfor Rocha — Não pode é acontecer, como já aconteceu, que em uma mesma sessão, a turma julgue determinada ação em um sentido e, na ação seguinte, sobre exatamente o mesmo tema, julgue de forma completamente diferente porque um dos juízes se declarou impedido.

ConJur — O senhor passou boa parte dos últimos anos em cargos de corregedoria no CNJ, no TSE e no CJF. Como o senhor descreve o juiz brasileiro?
Asfor Rocha — Conheço todos os tribunais brasileiros, já estive reunido com juízes em todos os estados, com associações de classe várias vezes. E atesto: não tem juiz no mundo melhor do que o juiz brasileiro. E, hoje, o Judiciário deixa de ser uma caixa preta. Por exemplo, não há outro lugar, no mundo, em que as sessões da Suprema Corte sejam transmitidas ao vivo. A maioria dos países não permite sequer que os julgamentos sejam públicos. Há países, de democracias sólidas, em que só entram na sala de julgamento pessoas autorizadas pelos juízes. Até os advogados que fazem sustentação oral fazem parte de um grupo restrito para isso.



Fonte: Consultor Jurídico