O jurista Ives Gandra da Silva Martins é um estudioso da Constituição brasileira. É autor de dezenas de livros, entre eles “Conheça a Constituição”, obra dividida em três volumes. Além disso, é doutor em Direito pela Universidade Mackenzie, onde também é professor emérito. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e é especialista em Direito Tributário e Ciência das Finanças.
Nesta entrevista à Amagis, a primeira de uma série especial com diversos juristas sobre os 25 anos da Constituição, Gandra analisa os problemas e as virtudes da nossa Carta Magna e fala sobre a proposta de uma constituinte para a reforma política, entre outros assuntos.
Qual principal virtude o senhor enxerga na Constituição brasileira de 1988?
O principal mérito da Constituição de 1988 foi, indiscutivelmente, ter tornado os Três Poderes autônomos e independentes (art. 2º). O fato de o projeto inicial objetivar a adoção de um sistema parlamentar de governo, que, no Plenário, não permaneceu, terminou por ofertar um equilíbrio de poderes antes inexistente. A alteração, todavia, de regime não eliminou os mecanismos próprios do sistema parlamentar (veja-se as atribuições do Legislativo na defesa de suas prerrogativas - art. 49), mantendo-se, inclusive, a medida provisória nos exatos termos do texto da Constituição italiana, que é parlamentarista. Nada obstante, a adiposidade da lei suprema, com inúmeros dispositivos sem densidade constitucional, o equilíbrio de poderes deu-lhe estabilidade.
E qual o principal problema?
Ter conformado uma federação maior do que o PIB. O custo político da federação, que gera uma carga tributária ciclópica e de difícil reversão é o que está travando o desenvolvimento do país. Três Estados e 1600 municípios criados após 1988, com alargamento dos Ministérios e estruturas burocráticas afogam o Brasil, que tem, em relação aos emergentes, uma sofrível performance.
Em resposta às recentes manifestações, o Governo Federal chegou a propor a formação de uma constituinte, com o objetivo principal de fazer uma reforma política. Essa proposta é viável?
Difícil, pois quem decidirá a reforma é quem tem poder no Legislativo e, como analisei no meu livro "Uma breve teoria do poder", quem tem poder, dele não abre mão. Perde-o, mas raramente o renuncia. E são os parlamentares que farão a reforma.
A constituinte seria o melhor caminho para a reforma política?
Não, pois os movimentos populares sabem o que não querem, mas não sabem como fazer o que querem e não sabem exatamente o que querem. E os movimentos não têm força para mudar a ordem atual.
A Constituição, após esses 25 anos, precisa ser reformada?
Há, pelos menos, quatro reformas essenciais (tributária, previdenciária, administrativa e trabalhista). A tributária não sai, porque os Estados não abrem mão da guerra fiscal. A previdenciária é difícil a curto prazo, por força do direito adquirido, o mesmo se podendo dizer da reforma administrativa. E a trabalhista é praticamente impossível pela força dos sindicatos. Sem elas, o Brasil continua sendo o país do futuro.
Uma das principais críticas que se faz à Constituição de 1988 é a de que ela seria prolixa, muito detalhista. Em sua opinião, essa crítica procede?
Em parte sim, mas como o número de cláusulas pétreas cresceram no texto de 1988 - e o elenco é dos mais atuais - estou convencido de que a perenidade está assegurada. Teremos inúmeras emendas além das 77 que já temos, mas a espinha dorsal será preservada. Deverá haver, com o tempo, um processo de enxugamento do texto, mas no que é essencial, creio que continuaremos com a Constituição como está.