O juiz Amaury Silva, da Comarca de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, lançou recentemente o livro “Manual das Sentenças e Atos Judiciais da Execução Penal”. Nesta entrevista à reportagem da Amagis, o magistrado fala sobre a publicação e alguns aspectos do sistema penal brasileiro.
Qual a importância de um Manual de Sentenças na Execução Penal?
O objetivo do Manual é servir como fonte de consulta sobre os diversos incidentes que devem ser decididos no cotidiano da execução penal. Sugere fundamentos para a decisão e formatos para sua elaboração, possibilitando economia de tempo, sem interferir no estilo e capacidade intelectual de quem elabora a decisão.
Há a intenção, no anteprojeto da nova Lei de Execução Penal, de se revogar a obrigatoriedade de se coletar material genético dos condenados. Qual sua opinião sobre a formação de banco genético para auxiliar as investigações criminais?
Foi um avanço para a qualidade científica às investigações e processos criminais, a introdução do art. 9º-A, Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) pela Lei 12.654/2012. Não foram produzidos seus efeitos práticos, pois a lei é recente e o poder público ainda organiza as estruturas para sua efetiva aplicação.
O banco de dados de DNA de pessoas condenadas é ferramenta útil, pois o grau de confiabilidade na identificação penal pelo perfil genético pode evitar violações a prerrogativas do réu ou investigado na busca do Estado por outras provas. Contribui decisivamente para a diminuição do erro judiciário e, por isso, tutela os inocentes. A hipótese de sua utilização fica reservada para os crimes mais graves (hediondos). Como cautela, para não ferir direitos fundamentais, deve ser exigida a razoabilidade. O parâmetro é a Constituição Federal. Fora da Constituição, não há progresso que interesse à cidadania ou à democracia. Mas é possível que se encontre um juízo de ponderação.
O confronto se estabelece entre a proteção da pessoa contra o excesso do Estado (invasão à sua esfera privada) e a proteção deficiente do Estado (para com a coletividade em razão da criminalidade). Uma gestão responsável das informações constantes dos bancos de dados sobre DNA de condenado; o sigilo absoluto, só podendo ser relativizado por ordem judicial para fins de investigação ou processo penal e a exclusiva utilização de DNA não codificante (sem traços somáticos que permitam a formação de padrões de comportamento, inclusive predisposição criminosa) seriam medidas que equilibrariam as perspectivas. O anteprojeto da nova LEP nesse ponto é um retrocesso e acredito que esse tema deve ser objeto de um debate mais aprimorado.
O senhor considera a parceria público-privada na construção e manutenção de presídios uma boa forma de minorar os problemas do sistema prisional brasileiro?
A ideia do lucro e gestão carcerária, a meu ver, é uma contradição. Essas duas categorias são inconciliáveis. Mesmo que as estruturas do Estado preservem o poder de deliberação final sobre as questões prisionais, o parceiro privado realiza as tarefas de administração e opera na formação da consciência e das representações sociais da população carcerária naquele universo. Compartilha-se uma soberania do Estado, em área muito sensível e relevante.
A prisão se apresenta baixa virtude, para proporcionar uma renovação pedagógica no desviado, não pode prescindir de um sentido humanista, que só o Estado por sua qualidade de isenção, em tese, pode proporcionar. Em modelos de parceria, onde o componente da atividade econômica não prepondera, a articulação do Estado com entidades privadas ou outros segmentos do poder público permite uma melhoria substancial no setor prisional, sobretudo, com a elevação do respeito aos direitos humanos dos presos, a partir do protagonismo da sociedade.
É o caso das APACs e do PAI-PJ, inseridos no Programa Novos Rumos na Execução Penal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Consagrada essa alternativa, o adequado seria o avanço por seus seguros caminhos e não uma opção pelo incerto e duvidoso.