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O juiz Fernando Armando Ribeiro é vice-presidente do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJMMG) e autor do recém-lançado livro “Constitucionalismo e Teoria do Direito”, publicado pela Editora Del Rey,

Em entrevista exclusiva ao site da Amagis, na série especial dos 25 anos da Constituição Federal, ele destaca a importância dos direitos fundamentais na Constituição de 1988, mas alerta para a pouca efetividade que se dá ao texto. “Poucas constituições no mundo devotaram tanta importância à pessoa humana, colocando-a não apenas em posição topológica privilegiada em seu texto, mas, sobretudo, fazendo dela verdadeiro núcleo axiológico de seu texto”, diz o magistrado,

Após 25 anos, a Constituição precisa de muitas reformas?

As Constituições são obras humanas e, como tal, sempre carecem de aperfeiçoamentos. A pretensão de imutabilidade das constituições, que já fora cogitada nos primórdios da história do constitucionalismo nos Estados Unidos, não é justificável, sobretudo em nossos dias, em que vivemos uma realidade social em constante mudança. A Constituição brasileira não poderia evidentemente fugir dessa regra. Todavia, o que verificamos, muito ao contrário, é que, ao longo destes 25 anos, ela tem sofrido excessivas reformas. Um grande aprendizado que deveríamos extrair desses anos é aceitar a imperfectibilidade inerente a toda e qualquer constituição, e melhor reconhecer e implementar suas grandes conquistas. Que possamos, então, deixar de lado a obsessão de reformular simplesmente os textos, como se eles tudo pudessem, e passemos a reformular a interpretação, essa via tão fundamental e efetiva para concretizar os desideratos constitucionais.

Qual a principal virtude da Constituição 1988?

A meu ver, após 25 de história, podemos dizer que a principal virtude segue sendo aquela proclamada quando de sua promulgação por Ulysses Guimarães: ser ela uma Constituição cidadã! De fato, poucas constituições no mundo devotaram tanta importância à pessoa humana, colocando-a não apenas em posição topológica privilegiada em seu texto, mas, sobretudo, fazendo dela verdadeiro núcleo axiológico de seu texto, que é todo perpassado por elementos normativos de afirmação de direitos fundamentais. Esta dimensão cidadã alia-se à dimensão democrática, que passa a ganhar institutos muito avançados e eficientes para dar-lhe concretude. Há também que se falar do importante aprimoramento da tradição judiciarista que já advinha das cartas constitucionais precedentes. Mas a Constituição de 1988 incrementou tal tradição e deu ao Poder Judiciário um papel fundamental na vida republicana e democrática. Se nos atentarmos para as competências do STF hoje, perceberemos, por exemplo, se tratar de uma das cortes mais poderosas do mundo, unificando em si poderes que raramente são atribuídos a um único órgão jurisdicional.

E quais os principais problemas?

O filósofo Hegel nos adverte para o fato de que é na história e pela história que as constituições são feitas. De fato, a mais correta compreensão de um texto constitucional depende da mais adequada percepção das circunstâncias em que foi criado. Nesse diapasão, verificamos que um dos grandes problemas que assolou a Carta de 1988 adveio do conturbado momento histórico de sua gestação. Vivia-se ali um momento de dramática transição histórica, e a busca pela afirmação e garantia constitucional do maior número de direitos possível parecia um imperativo ao modelo de Estado que então se desenhava. Esse é, a meu sentir, um dos vetores de compreensão da desmedida elasticidade de seu texto, que a torna uma das constituições mais analíticas do mundo. Ele também tem servido de argumento para tantas das reformas a que já nos referimos. Seu texto, no mais das vezes bem estruturado, peca, todavia, invariavelmente, por um excesso injustificado na amplitude de sua normatização sobre matérias que não deveriam merecer a dignidade de uma regulamentação constitucional. Aos excessos analíticos de seu texto soma-se ainda outro problema, que tem sido felizmente minorado ao longo do tempo, o da pouca efetividade de uma parte fundamental de seu texto, como a dos direitos fundamentais.
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Quais os principais reflexos desses problemas para o país?

Os excessos reformistas a que se entregou o poder constituinte derivado no Brasil podem ser apontados como um dos maiores problemas que atingem a Carta Constitucional. A assustadora média de quase três emendas por ano é um número escandaloso aos parâmetros do Direito Constitucional comparado. Um dos problemas daí advindos é o comprometimento daquilo que Pablo Lucas Verdú denominou de “sentimento constitucional”, tão vital para o respeito e a efetividade das constituições. Outro notável exemplo de um problema hermenêutico acerca da Constituição de 1988 foi o da interpretação dos direitos e garantias fundamentais. Percebe-se aí com clareza que a grande “reforma” que de fato tem o condão de mudar a Constituição é a reformulação dos parâmetros interpretativos de seus aplicadores. A própria evolução da jurisprudência pátria, sobre tudo a do STF, acerca da extensão e aplicabilidade dos direitos fundamentais demonstra essa verdade. Nesse sentido, o grande avanço trazido pela mudança de posicionamento do Supremo sobre o controle das omissões públicas, notadamente no que tange ao mandado de injunção, é um exemplo paradigmático.


No meio do ano, como resposta às manifestações populares, o governo propôs a formação de uma constituinte, com o objetivo de fazer uma reforma política. Para o senhor, essa seria uma proposta viável?

Definitivamente não. A proposta de se fazer a reforma política é sempre oportuna e louvável, todavia, há que se respeitar os limites normativos e teóricos que balizam as constituições. Convocar-se uma “constituinte exclusiva” para a reforma política é algo atentatório à Constituição de 1988 e à teoria constitucional que se construiu no ocidente nos últimos dois séculos. É que uma assembleia constituinte é algo que, por definição, não pode contar com objetivos específicos para sua atuação. Mesmo que hoje já se reformule a teoria clássica de que tais poderes seriam ilimitados, jamais poderíamos conceber uma pauta pré-definida para uma constituinte.