Há pouco mais de 80 anos, no Brasil, apenas cabia à mulher os papéis de esposa, mãe e dona de casa. Pensar, naquela época, em uma mulher comandando uma empresa ou ocupando um cargo público beirava o surreal. O protagonismo da mulher avançou e continua avançando.

Se houver comparação com os últimos séculos, chega-se a pensar que, hoje, o mundo é feminino. Isso porque houve a época em que a mulher não podia escolher o próprio marido. Esse e outros direitos foram sendo alcançados a passos lentos e durante séculos.

O direito das mulheres ao voto, no Brasil, somente foi garantido em 1932, sendo que a extensao a todas elas, independentemente da classe social e economica, foi conquistada apenas em 1946. Sessenta anos depois, em 2006, uma mulher chegou a Presidencia do Supremo Tribunal Federal. A então ministra Ellen Gracie presidiu o STF ate 2008. Depois dela, em 2011, outra assumia a Presidencia da Republica, Dilma Rousseff, tendo exercido o cargo ate 2016, quando entao sofreu processo de impeachment.



Domínio Público
Encontro das Sufragistas em Manchester, na Inglaterra, em 1908

Hoje, as mulheres representam 53% do eleitorado brasileiro, segundo dados do TSE. A predominância se repete em Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral brasileiro: 52% dos votantes são mulheres.

Atualmente, são das mulheres também, os comandos do Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia Geral da União, nas pessoas das ministras Cármen Lúcia (STF) e Laurita Vaz (STJ), Raquel Dodge (PGR) e Grace Maria Fernandes Mendonça (AGU). Em um mesmo período, ter mulheres à frente de cargos como esses não deixa de ser uma grande conquista, mas, ainda há uma grande desproporção na distribuição de cargos entre homens e mulheres nas instâncias superiores.

Basta verificar a composição, por exemplo, dos tribunais superiores. No STF, são onze ministros, entre os quais, duas mulheres. No STJ, seis ministras compõem a corte ao lado de 27 ministros. No TST, são 27 ministros ao todo, sendo seis ministras. No TSE, há apenas uma ministra dentre os integrantes da Corte, e o STM tem 17 ministros em sua composição, sendo uma mulher.

A primeira mulher a assumir a Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a ministra Laurita Vaz, atual presidente. Em entrevista ao Jornal DECISÃO, ela afirmou que os dados não traduzem falta de competência ou merecimento por parte das mulheres, mas sim “a existência de dificuldades para transitar em espaços políticos historicamente ocupado por homens”.

Tão historicamente ocupado por homens que alguns espaços públicos no País foram construídos para serem ocupados exclusivamente por eles. No prédio do STF, por exemplo, o primeiro banheiro feminino próximo ao plenário foi instalado apenas no ano 2000, com a indicação da primeira mulher ministra na Corte, Ellen Gracie. No Senado Federal, o plenário começou a contar com um banheiro feminino somente em 2016. Isso aconteceu mais de 55 anos depois da inauguração do prédio em Brasília, ocorrido em 1960. Até 2015, as senadoras, que eram 12, tinham de deixar o plenário para utilizar o banheiro que ficava no restaurante do prédio.

Para a vice-presidente de Saúde da Amagis e auxiliar da Presidência do TJMG, juíza Luzia Peixôto, é perceptível essa desproporção entre homens e mulheres nos diversos cargos e setores da sociedade. No entanto, de acordo com a magistrada, a ascensão da representatividade feminina, também perceptível em tantos outros segmentos, como no Judiciário, demonstra a ampliação do espaço e da credibilidade da mulher. “O crescente número de magistradas e servidoras no âmbito do Judiciário contribuiu para suplantar esse desequilíbrio e, consequentemente, para a quebra de paradigmas e preconceitos, visto que, a instrução e a competência, em muitas das vezes, estão em igualdade entre homens e mulheres”, garantiu.


Sérgio Amaral

“Como toda mulher de minha geração, vivenciei inúmeras dificuldades, enfrentei e superei muitos obstáculos para conciliar os estudos, a carreira com as tarefas domésticas" - Min. Laurita Vaz

Para a advogada e cientista política Sandra Starling, a ocupação do espaço público é o que traz efetivamente a emancipação da mulher. De maneira bem-humorada, ela criticou a moda da palavra “empoderamento”, sugerindo sua substituição por “emancipação”. “Eu não quero poder. Quero liberdade, emancipação. Quero que homens e mulheres, todas as pessoas, tenham liberdade. Empoderamento parece que queremos mandar, impor, ter alguém para nos obedecer. Isso eu não quero para mim, para as mulheres e também para nenhum homem”, observou.

A busca do reconhecimento pelos direitos da mulher teve início nos séculos XIX e XX, quando as mulheres garantiram o direito de escolher o próprio marido. “A partir daí, elas começaram a lutar pelos seus direitos na esfera pública e nada melhor do que iniciar pelo direito ao voto, já que quando o cidadão passa a votar, ele também passa a ser importante para os ocupantes de cargos eletivos”, afirmou a juíza Roberta Rocha Fonseca, auxiliar da Corregedoria do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.

Hoje, a mulher brasileira tem representatividade na vida social de empresas privadas e públicas e papéis extremamente importantes nos poderes públicos, embora, para a juíza Roberta Rocha, a mulher ainda esteja muito aquém do que poderia. “Acredito que seja por causa do acúmulo de atividades. A mulher ainda não galga postos mais altos nas empresas, porque é interesse dos gestores que seus funcionários devotem mais tempo ao trabalho e, de maneira geral, os homens podem fazer isso”, apontou a magistrada.

Para a juíza, o direito ao voto está intrinsecamente ligado ao processo de emancipação feminina. “A partir do momento em que a mulher passa a votar, ela passa a despertar o interesse daqueles que legislam e também dos que ocupam cargos no Executivo”, afirmou ela. Apesar disso, ela destacou que o número de mulheres em cargos públicos ainda é muito pequeno. “Para se ter uma ideia, o Brasil ocupa apenas a 115ª posição no ranking mundial de presença feminina no Parlamento dentre os 138 países”, comparou.

Na primeira instância do Judiciário mineiro, são 601 juízes e 308 juízas, ou seja, cerca de 35% do quadro de juízes em todo o Estado é ocupado por mulheres. Para Laurita Vaz, a presença cada vez maior de mulheres na Justiça de primeiro grau reflete o espaço que tem sido conquistado por crescente número de candidatas que são aprovadas nos concursos públicos para ingresso na Magistratura e também no MP.

Os dados ficam claros na relação de magistrados nos Cursos de Formação da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) entre os anos de 2008 e 2017: enquanto 187 homens freqüentaram o curso de formação em Minas Gerais, 116 mulheres também o fizeram. Quando se recorre ao concurso de 1978/1979, onde, dos 47 aprovados para a Magistratura, dois eram do sexo feminino, os dados revelam uma melhoria significativa dessa conquista.

“O desate das amarras que prendiam as mulheres junto aos deveres do lar passou, de forma crescente, nos últimos anos, pela elevação do grau de escolaridade”, observou a presidente do STJ. Para a ministra, ainda se espera da mulher, de forma ostensiva ou disfarçada, a mesma dedicação aos afazeres domésticos de outrora. “E, nesse contexto, as mulheres têm que se desdobrar para cumprir dupla jornada: uma no exigente mercado de trabalho, onde sempre precisam renovar a prova de sua capacidade, e outra em casa”, reconheceu Laurita Vaz.

A Presidência do STJ é, para ela, um cargo do qual tem muita honra. “Como toda mulher de minha geração, vivenciei inúmeras dificuldades, enfrentei e superei muitos obstáculos para conciliar os estudos, a carreira com as tarefas domésticas, a criação dos meus três filhos e, passo a passo, galgar os cargos que ocupei até hoje”, apontou. Hoje, ela preside um dos maiores tribunais do País – são cerca de três mil servidores e dois mil terceirizados - e uma gama gigantesca de processos. Quando perguntada sobre os desafios no exercício dessa função, Laurita Vaz afirmou que eles não são diferentes quando se trata de gênero. “Mulher ou homem, o presidente da Corte tem de trabalhar diuturnamente para encontrar soluções para melhorar a entrega da prestação jurisdicional à sociedade”, disse.

De acordo com ela, fazer o Tribunal funcionar com eficiência requer muita dedicação e comprometimento para solucionar problemas e conduzir bem os trabalhos. “É necessário muito equilíbrio, serenidade e determinação para exercer essa árdua função, características essas bem presentes na maioria das mulheres”, disse. Laurita Vaz ressaltou que a humanização de qualquer ambiente de trabalho se faz com a predominância do senso de humanidade, independentemente do gênero, embora homens e mulheres carreguem uma série de diferenças inatas. “O conjunto de competências torna cada indivíduo único e diferenciado e não o simples fato de se tratar de homem ou de mulher”, afirmou.

As Sufragistas

Uma das protagonistas do direito ao voto foi Kate Sheppard, que liderou um movimento na Nova Zelândia há 125 anos e garantiu, pela primeira vez na história, o direito ao voto para as mulheres. O movimento chegou à Finlândia em 1906, levando também as mulheres desse país às urnas pela primeira vez. Em seguida, foi a vez da Grã-Bretanha, que reconheceu o direito das mulheres ao voto em 1918. O exemplo foi se espalhando por toda a Europa e atingindo países como Suécia e Noruega até chegar ao Brasil, o que ocorreu de forma tardia. Ainda no período do Império, em 1880, a dentista Isabel de Mattos Dillon exigiu na Justiça seu direito de votar, evocando a Lei Saraiva, que permitia aos detentores de títulos científicos votar. Ela obteve seu direito, mas não teve o voto reconhecido.

Este direito somente foi reconhecido efetivamente no Brasil em 1932, por meio do Decreto nº 21.076, instituído no Código Eleitoral Brasileiro, e consolidado na Constituição de 1934. Em 1933, foi eleita a primeira mulher brasileira como deputada federal: a médica escritora e pedagoga Carlota Pereira de Queirós. Depois de previsto na Constituição, a luta foi para que o direito ao voto fosse estendido a todas as mulheres, já que, no primeiro momento, apenas as mulheres casadas com autorização do marido, ou as solteiras e viúvas com renda própria, poderiam exercer o direito. Em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres.

Participação das mulheres

nos maiores Tribunais

de Justiça do País.

TJSP

Desembargadores(as): 360

Homens: 322

Mulheres: 28

TJMG

Desembargadores(as): 130

Homens: 109

Mulheres: 21

TJRJ

Desembargadores(as): 180

Homens: 122

Mulheres: 58

TJPR

Desembargadores(as): 120

Homens: 101

Mulheres: 19

TJRS

Desembargadores(as): 140

Homens: 101

Mulheres: 39