O esquema milionário de corrupção e a indústria de ações de indenização contra fabricantes de produtos com amianto, revelados pelo jornal The New York Times, no início do ano, reabriram algumas discussões nos Estados Unidos e no Brasil. A primeira é como a Justiça pode ser influenciada por dados criados por personalidades com aparente credibilidade. A segunda é sobre a imagem do amianto crisotila, fibra natural usada na fabricação de telhas e caixas d'água.
O jornal The New York Times revelou o esquema de corrupção que envolve políticos, médicos e advogados. Antes de ser descoberto no esquema, o ex-presidente da Assembleia Legislativa de Nova York, Sheldon Silver, fazia parte do grupo mais poderoso do estado. Esse grupo era chamado carinhosamente de “three men in a room” (três homens em uma sala). Os três eram: ele, o governador do estado e o líder da maioria no Senado estadual. Na tal sala, os três homens tomavam as decisões mais importantes do governo estadual. Ele foi preso e afastado do cargo por montar um esquema milionário de corrupção, associado à indústria de ações de indenização contra fabricantes de produtos com amianto.
Silver foi denunciado por coletar mais de US$ 6 milhões em comissões pagas pela banca Weitz & Luxenberg e, principalmente, por destinar verbas de fundos públicos a pesquisas do médico Robert Taub, dentro do esquema de corrupção. Até então, Taub era o mais prestigiado e respeitado pesquisador do mesotelioma — uma doença causada pelo mau uso do amianto. Ele também recebia propinas do escritório de advocacia, negociadas por Silver, segundo o The New York Times.
De acordo com o jornal, o esquema de corrupção foi possível porque o mesotelioma é uma doença muito rara. No máximo, três mil pessoas, em uma população de mais de 316 milhões, dos Estados Unidos, são diagnosticadas com a doença por ano. Ultimamente, esse número entrou em declínio porque os perigos do amianto se tornaram mais conhecidos e algumas regulamentações oficiais, bem como medidas de proteção de trabalhadores, foram adotadas.
Como a doença é muito rara, explica o jornal, o médico não conseguia financiamento para suas pesquisas. Afinal, nenhum laboratório farmacêutico ou instituição de financiamento de pesquisas se interessa em financiar uma pesquisa que pode beneficiar um número relativamente pequeno de pacientes. Não há retorno para os investimentos. Assim, Taub, apaixonado por suas pesquisas, entrou em desespero. Não se pode dizer que ele foi uma presa fácil para o ex-presidente da Assembleia Legislativa de Nova York. Isso porque ele foi o primeiro a mencionar, em um encontro entre os dois, sua extrema necessidade de financiamentos. Silver foi quem encontrou a solução “salvadora” para as pesquisas, mas que o levou à desgraça.
O amianto na Justiça
O uso do amianto é regulado, no Brasil, pela Lei Federal 9.055/95. Há pelo menos sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) questionando leis estaduais, que proíbem o amianto, no Supremo Tribunal Federal. A corte dará a palavra final sobre o assunto.
Dois votos já foram proferidos. Em seu voto, o ministro Marco Aurélio anotou que “se o amianto deve ser proibido em virtude dos riscos que gera à coletividade ante o uso indevido, talvez tenhamos de vedar, com maior razão, as facas afiadas, as armas de fogo, os veículos automotores, tudo que, fora do uso normal, é capaz de trazer danos às pessoas”.
O maior inimigo visível do amianto, no Brasil, tem sido o Ministério Público do Trabalho, que tenta bani-lo do mercado. Entretanto, todas as centrais sindicais brasileiras representaram contra o MPT na Organização Internacional do Trabalho (OIT) por conta da atuação em defesa de interesses diferentes dos trabalhadores.
Nos Estados Unidos, todas as pessoas que contraíram doenças derivadas do amianto do tipo anfibólio, que foi banido, aspiraram as partículas fibrosas do mineral. Muitas entraram com ações judiciais de indenização. A quantidade de ações judiciais atingiu seu pico em 1986, quando a Agência de Proteção Ambiental (EPA), dos Estados Unidos, propôs uma restrição imediata ao uso de amianto e seu banimento total em 10 anos. Porém, a Suprema Corte americana apontou outros caminhos, com base em estudos científicos. Os estudos sugeriram uma abordagem mais conservadora para preservar a população em vez de destruir a indústria. A conclusão foi a de que esse mineral pode ser útil e seguro se usado da forma correta.
A corte rejeitou o banimento do amianto e muito das regras estabelecidas pela EPA. Limitou a regulamentação a duas regras: 1) O desenvolvimento de novos usos do amianto fica proibido (até que novos conhecimentos sejam adquiridos pela ciência); 2) O amianto deve ser reintroduzido nas indústrias onde foi substituído por outros produtos.
O Instituto Brasileiro do Crisotila aponta que atualmente, no Brasil, a cadeia produtiva do amianto movimenta R$ 3,7 bilhões por ano. Mais de 170 mil trabalhadores vivem dessa atividade. Mais de 90% do consumo nacional do amianto ocorre na indústria de fibrocimento, que é responsável pela fabricação de telhas utilizadas na construção civil.
Mitos e verdades
A história revelada pelo The New York Times levou os americanos a se interessarem pelos mitos e verdades sobre o amianto — e muitas delas vieram à tona. A primeira é a de que o amianto é uma fibra da natureza e não deve ser substituído por outros materiais. O problema não é o amianto, em si, mas sua manipulação inadequada por pessoas inexperientes. Um profissional, que sabe o que está fazendo, não corre riscos de saúde desnecessários. Em vez de banir o uso de amianto, as autoridades americanas preferiram, de uma maneira geral, regulamentar seu uso. No Brasil, o uso do amianto é regulamentado pela Lei Federal 9.055, de 1995, que tem regras rigorosas seguidas pelas empresas do país.
O manejo do amianto por trabalhadores vem sendo progressivamente regulamentado nos Estados Unidos. Os trabalhadores que se expõem ao amianto devem usar roupas protetoras, tomar um banho ao final de cada expediente e trocar de roupa antes de ir para casa. Na construção, há regras específicas para isolamento e material à prova de fogo.
Toda a discussão gira em torno de dois tipos específicos de amianto: o anfibólio e o crisotila. O anfibólio foi banido. O amianto crisotila, usado no Brasil, é permitido em mais de 150 países. De acordo com o especialista Jerry Alonzy, que mantém o site The Natural Handyman, “o crisotila não é, nem de perto, tão persistente quanto o anfibólio no tecido pulmonar e qualquer exposição intermitente a ele não é considerada causa de risco à saúde das pessoas”.
De acordo com a organização “Segurança no Trabalho e Administração da Saúde” dos EUA, mais de 40% da terra e a maioria das águas no país contêm algum nível de amianto.
Fonte: TJMG