Cresce número de ações na Justiça cobrando medicamentos não fornecidos pelo SUS

Média diária de processos chega a 32 e faz estado gastar milhões para atender pacientes
Nunca na história de Minas Gerais tantas pessoas recorreram à Justiça para conseguir acesso a medicamentos, terapias, dietas e outros itens não fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apenas neste ano, a chamada judicialização da saúde foi responsável por 32 ações diárias tendo o poder público como réu e exigindo o custeio de substâncias e tratamentos. A média, referente aos 7.825 processos que chegaram à Justiça desde janeiro até anteontem, é superior à do ano passado, quando foram 9.121 (25 por dia, em média). Na série histórica, 2013 foi o ano da explosão dos pedidos, com 25% de aumento em relação a 2012 (7.243) e 3.563% de crescimento em uma década, já que em 2003 foram apenas 249 pedidos judiciais. Para atender às decisões do Judiciário, o estado se depara com outra curva ascendente, de cifras milionárias. No ano passado, esse tipo de gasto consumiu R$ 204 milhões, 43% a mais que em 2012 (R$ 142,9 milhões). Neste ano, os custos passam de R$ 83 milhões.
Enquanto pacientes contam dramas e dificuldades que os levam aos escritórios de advocacia e à Defensoria Pública em busca de saídas, a Secretaria de Estado de Saúde lista as razões para a explosão. De acordo com a assessora chefe do Núcleo de Atendimento à Judicialização da Saúde, Vânia Faerman Rabello, o acesso à informação, especialmente nas cidades do interior, e o aumento da atuação de defensorias pelo estado têm levado mais pessoas à Justiça. Outra razão, segundo ela, tem relação direta com os avanços das pesquisas em saúde. Pedidos de medicamentos representam cerca de 70% das ações, de acordo com Vânia, enquanto o restante está ligado a procedimentos, exames, terapias, transferências de hospital e tratamentos diversos.
“É a combinação desses dois motivos que, principalmente, eleva a curva de ações: o aumento do processos vindos do interior e as indicações médicas cada vez mais frequentes de novos remédios ou técnicas”, afirma a assessora. Como exemplo, ela cita as técnicas de equoterapia (terapia com cavalos) e o therasuit, que é um programa de fisioterapia intensiva indicados para casos como os de paralisia cerebral. “Os pedidos de procedimentos crescem em velocidade enorme, porque, à medida em que essas novas soluções vão aparecendo, os próprios médicos fazem as indicações”, diz Vânia.
Além dos 844 medicamentos fornecidos de graça pelo SUS, o estado tem uma lista de mais de 3 mil remédios que precisam de decisão judicial para serem liberados. “Geralmente são produtos de alto custo, que não constam da lista formulada pelo Ministério da Saúde”, diz a assessora. De modo geral, as ações são ajuizadas contra as três esferas de governo (município, estado e União). “Cada uma tem uma relação do tipo de medicamento que deve fornecer por decisão judicial. Mas as ações têm os três governos como réus, ou por desconhecimento dos advogados ou como estratégia para que a medida seja cumprida por qualquer um deles”, afirma. Sobre os gastos, a assessora explica que o estoque acumulado em um ano pode ser usado para atender ações no seguinte, o que levaria a uma despesa menos expressiva.
BATALHA A busca pela Justiça foi a saída encontrada pela pedagoga Marcela Bracarense, de 33 anos, depois de tentar insistentemente conseguir acesso regular à fórmula Neocate para o filho Augusto Bracarense de Morais, de 4 anos. Uma lata de 400g do produto custa em média R$ 170 e a criança, que teve uma alergia às proteínas do leite e da soja diagnosticada com 1 ano e 3 meses, precisa de pelo menos oito unidades por mês. A fórmula é oferecida pelo SUS, mas o fornecimento não atendia as necessidades da criança, o que obrigava a família a bancar a diferença. “Em março do ano passado entrei na Justiça contra o estado e a Prefeitura de Belo Horizonte e, por meio de liminar, tudo se normalizou.”
Mas a má notícia veio recentemente, quando Marcela foi informada de que, por problemas de desabastecimento, o produto não seria fornecido. “Eles disseram que o processo de licitação não foi concluído e que o estoque acabou. A Secretaria Municipal de Saúde já sabe há um ano que o Augusto precisa desse produto e deixa isso acontecer?”, questiona. “Essa situação nos deixa impotentes, enfraquecidos. Acho um absurdo que precise ir à Justiça para buscar um direito já adquirido”, lamenta.
Segundo a pedagoga, sem a fórmula, o filho tem quadros graves de vômito, diarreia e perda de peso. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, foi realizado em agosto um pregão para a compra da fórmula e o processo está em fase de homologação, com publicação prevista no Diário Oficial do Município nesta semana. Ainda segundo a pasta, os prazos estão previstos na lei de licitações e a substância pode ser substituída por dieta alternativa, em caso de falta.

O Ministério da Saúde informou que tem trabalhado na avaliação de novos medicamentos para ampliar o acesso da população a avanços tecnológicos. Nos dois últimos anos, informou a pasta, foram incorporadas 95 tecnologias, 70% delas representadas por medicamentos. Em relação aos remédios gratuitos, a lista, que em 2010 era de 550 itens, saltou para 844 este ano.

Secretaria denuncia abusos

Ao mesmo tempo em que pacientes relatam burocracia e entraves no sistema público para conseguir medicamentos e tratamentos, gestores afirmam haver abusos que dificultam o fornecimento dos produtos. De acordo com a assessora chefe do Núcleo de Atendimento à Judicialização da Saúde, Vânia Faerman Rabello, em muitos casos a Secretaria de Estado de Saúde dispõe de um medicamento, mas precisa comprar variações de marcas para atender a decisões judiciais. “Os processos licitatórios obedecem à modalidade de menor preço, e há prescrições de remédios e produtos que têm o mesmo efeito, mas por causa da marca custam muito mais caro”, acrescenta.
Ainda segundo ela, a secretaria já detectou relações suspeitas entre médicos e laboratórios farmacêuticos, que levam a entender que houve combinação para que determinado produto tivesse compra garantida. “Todos esses casos foram enviados ao Ministério Público para investigação”, afirma.
De acordo com o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina, Fábio Guerra, o CRM não tem conhecimento específico sobre essa prática. “Apesar de orientar os médicos de que eles têm autonomia nas prescrições, para acompanhar o aparecimento de novas tecnologias, eles não podem ferir o código de ética”, diz. Ainda de acordo com Fábio Guerra, o conselho, como órgão regulador, tem o dever de apurar denúncias de relações entre profissionais e farmácias ou laboratórios, caso elas ocorram.
Fonte: Valquiria Lopes/Estado de Minas
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