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Estados podem autorizar farmácias a vender "artigos de conveniência", diz STF
21/08/2014 11h19 - Atualizado em 09/05/2018 16h01
O fato de a venda de medicamentos só poder ser feita em farmácias não quer dizer que esses estabelecimentos estão proibidos de vender outros produtos. Portanto, os estados podem editar leis suplementares às normas federais que regulamentam o funcionamento das drogarias do país. Com esse entendimento, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, considerou constitucional lei estadual do Acre que autoriza farmácias a vender cartões telefônicos, bebidas lácteas, cereais, chocolates, biscoitos e também a receber pagamentos de contas de luz, água, telefone e de boletos em geral. O voto foi seguido pelo Plenário da corte por unanimidade.
A lei acreana foi questionada no Supremo pela Procuradoria-Geral de República por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade. A inicial afirma que a Constituição Federal, no artigo 24, inciso XII, parágrafos 1º e 2º, dá exclusivamente à União a competência para legislar sobre “normas gerais” de proteção e de defesa da saúde. A PGR também alega que a Lei 5.991/1973, federal, é que trata do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. E ela não “deixou espaço” aos estados para legislar a respeito.
A Lei 9.782/1999, continua o órgão, conferiu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a atribuição de “normatizar, controlar e fiscalizar” os produtos e de fiscalizar o funcionamento das farmácias.
O ministro Marco Aurélio concorda com os argumentos, só discorda da conclusão. Para ele, o fato de a União ter a competência para legislar sobre a proteção à saúde e uma lei federal tratar do comércio de drogas não permite a interpretação de que os estados estão proibidos de editar leis suplementares.
Marco Aurélio afirma que a lei do Acre não regulamenta a proteção à saúde ou a venda de remédios. Apenas amplia o rol de produtos não relacionados à saúde que podem ser vendidos pelas farmácias no estado. Ele aponta dois motivos principais: “Primeiro, porque a norma impugnada não cuida de proteção e defesa da saúde, e sim de local de venda de certos produtos; segundo, porquanto, ainda que se entenda existente disciplina relativa à saúde, esta se deu no campo suplementar, descabendo cogitar da edição de normas gerais pelo estado do Acre”.
De acordo com o ministro, “ao autorizar a venda de ‘artigos de conveniência’ por farmácias”, o estado do Acre nada falou sobre saúde, “e sim acerca do comércio local”.
“A circunstância de constar, no artigo 5º, cabeça, da Lei nº 5.991, de 1973, ser privativo das farmácias e drogarias o comércio de drogas, medicamentos e de insumos farmacêuticos não corresponde à proibição de esses estabelecimentos comercializarem outros produtos. Por meio da norma federal, procurou-se garantir, tendo em vista a segurança da saúde do consumidor e como diretriz essencial neste campo, que esses produtos sejam vendidos apenas por estabelecimentos especializados, nos quais atua profissional habilitado — o farmacêutico. Contudo, isso não autoriza interpretação no sentido de a especialização necessária excluir a possibilidade de farmácias e drogarias comercializarem bens diversos. Na realidade, tal entendimento implicaria situação inversa à alegada nesta ação direta — a de invasão de competência dos estados pela União, haja vista norma com esse conteúdo, ao entrar em pormenores, vir a extrapolar o campo das normas gerais, princípios e questões fundamentais.”
Bronca na AGU
Antes de analisar as questões preliminares e o mérito do pedido, o ministro Marco Aurélio sentiu-se no dever de comentar a postura da Advocacia-Geral da União no caso. Em parecer, a AGU concordou com o pedido da PGR e afirmou que a lei acreana invadiu a competência exclusiva da União de legislar sobre o funcionamento de farmácias.
Para o ministro Marco Aurélio, a AGU fez o contrário do que deveria ter feito no caso. Ele explica que, nos casos de questionamento de leis estaduais, a Advocacia-Geral da União deve atuar, por definição constitucional, como “curadora da norma”, ou seja, sua obrigação seria defender as normas questionadas na Justiça. Ou, nas palavras do ministro, “o papel da AGU, a justificar a atuação abrangente, é o de proteção ao ato impugnado. Não atua na defesa dos interesses da União”.
“No caso, o advogado-geral da União, ao contrário, deu parecer no sentido de o Tribunal declará-la incompatível com o Diploma Maior, mesmo ausente entendimento pacífico do Supremo quanto ao tema. Deixou, portanto, de cumprir o preceito constitucional”, anotou o ministro.
O o advogado-geral da União, ministro Luiz Inácio Adams, não concorda com a interpretação. Em entrevista concedida à ConJur no ano passado, ele afirmou que nem sempre a AGU deve defender uma norma impugnada em questões de controle de constitucionalidade.
Adams contou que há duas exceções à regra constitucional que obriga a AGU a atuar a favor de uma lei contestada por ADI. A primeira é quando há posicionamento do Supremo a respeito do caso. Ele citou o exemplo de leis estaduais que concedem benefícios fiscais a ramos da economia sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), prática já considerada inconstitucional pelo Supremo por configurar guerra fiscal.
O segundo exemplo é justamente o que Adams chamou de “sobreposição de competência”: quando um estado aprova uma lei sobre assunto em que a competência concorrente é da União. “Se o estado avançar sobre a competência da União, temos de fazer a opção. Há ocasiões em que não há como defender as duas normas”, comentou o ministro.
Fonte: Conjur