* Desembargador Herbert Carneiro

O artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor, prescreve: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

E a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84), em seu artigo 11, determina que a assistência educacional, compreendendo a instrução escolar e a formação profissional, é um direito do preso e do internado.

Nessa linha de pensamento, não há como excluir as pessoas privadas de liberdade da conquista do direito à educação “para todos”. Negar-lhes esse direito é negar-lhes a possibilidade de se reintegrarem à vida social.

Aliás, muito antes disso, a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, em seu artigo 26, já previa que “Toda pessoa tem direito à instrução (...). A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais”.

A despeito de tudo isso, é sabido que o sistema penitenciário brasileiro organiza-se, tradicionalmente, em torno dos imperativos da punição/proteção da sociedade e trabalho/reabilitação, e está, primordialmente, fundado em bases que privilegiam a privação da liberdade, em detrimento de princípios outros de efetivas humanização e (re) educação do apenado. Neste ambiente, a oferta de educação para os presos em todos os níveis de ensino é uma realidade distante e dissociada das demandas gerais da sociedade civil por educação de qualidade, valendo dizer que o preso é discriminado, neste particular.

A questão da educação nas prisões é complexa e várias são as experiências espalhadas Brasil afora – a permitirem visões diferenciadas do processo educativo prisional, seja como programa de reabilitação, seja exercício de um direito, passando, especificamente, pela defesa e consolidação da remição da pena pelo estudo e pela retomada das discussões sobre as diretrizes nacionais para a educação nas prisões. Estas a serem feitas, democraticamente, com os órgãos públicos e a sociedade civil organizada.

Especialmente sobre a remição pelo estudo, tema de fundamental importância e ora destacado, certo é que a mesma não tem previsão no nosso arcabouço jurídico, porque a Lei de Execução Penal citada só prevê a remição da pena pelo trabalho (artigo 126, da LEP). Daí, à míngua de previsão legal, a admissibilidade ou não da remição pelo estudo fica a critério facultativo do Juiz da Execução Penal, sendo que alguns não a admitem como fator de redução da pena, ao argumento simplista de que não é prevista em lei, fazendo vistas grossas para a jurisprudência majoritária de nossos tribunais (Súmula n. 341 do Superior Tribunal de Justiça).

O tema da remição pelo estudo – como fator de redução da pena – poderia experimentar um ponto final se o Congresso Nacional resolvesse de vez a análise dos aproximadamente 25 (vinte e cinco) projetos de lei em tramitação, afinal alguns já se arrastam há mais de 15 anos, e, de forma objetiva, tornasse previsão legal a possibilidade do estudo como redutor da pena, fazendo analogia deste com o trabalho, de modo a prevalecer a proporcionalidade de um dia de desconto na pena para cada três dias de efetiva dedicação aos estudos, exatamente como já acontece com o trabalho. Aí, daria para sustentar, de forma concreta, a máxima de que o estudo do preso vale a pena.

Finalmente, é necessário frisar que a educação do preso não passa tão-somente pela possibilidade legal da remição pelo estudo – como causa de redução da pena – mas, também, e, fundamentalmente, pela concepção de uma educação em regime de privação de liberdade assentada em alguns parâmetros, resumidos tais como: configurar unidades prisionais como estabelecimentos de ensino; dotar as unidades prisionais de projeto pedagógico; subordinar, como regra geral, a educação de pessoas presas como atribuição dos sistemas estaduais e municipais de ensino; dotar as unidades prisionais de profissionais docentes especificamente qualificados para a tarefa; subordinar a remição da pena pelo estudo à consecução dos objetivos próprios da educação. Dessa forma, com um processo educativo justo e seguro, homens e mulheres presos estariam mais bem reabilitados socialmente e o Brasil daria um belo exemplo de inovação no tratamento penal desses cidadãos.

* O desembargador Herbert Carneiro, da 4ª Câmara Criminal do TJMG, é vice-presidente da Amagis.

Este artigo foi publicado no jornal Estado de Minas, editoria de Opinião, na edição de hoje, 17/03.