Por João Ozorio de Melo

Os juízes americanos são obrigados a obedecer um código de ética. Não podem, por exemplo, participar de atividades políticas, discursar em um evento de levantamento de fundos de uma organização partidária, se associar a clubes que discriminam com base em raça, sexo, credo ou nacionalidade. Não podem fazer qualquer coisa que coloque em dúvida sua imparcialidade e devem se declarar impedidos quando um julgamento envolve pessoas com as quais têm algum relacionamento. Isto é, todos os juízes, menos os ministros da Suprema Corte dos EUA, que não se regem por qualquer código de ética ou de conduta.

Desde 2011, algumas instituições americanas e vários jornais e sites — entre eles o The New York Times, The Washington Post, The Wall Street Journal, Politico, Legal Newsline, Above the Law — batem na mesma tecla: os ministros da Suprema Corte deveriam ter um código de ética, como todos os demais juízes. Nesta semana, parlamentares americanos aderiram à campanha liderada por 100 professores de Direito: senadores e deputados democratas introduziram, no Congresso, um projeto de lei para "corrigir essa lacuna".

O projeto da "Lei da Ética da Suprema Corte de 2013" ("Supreme Court Ethics Act of 2013") não pretende escrever um código de ética ou de conduta para os ministros da corte. A lei deverá estabelecer, em redação que mais se assemelha a um pedido, que os ministros da Suprema Corte escrevam e aprovem seu próprio código de ética.

De acordo com o site Politico, o projeto de lei se justifica. "Códigos de ética para juízes fortalecem a administração da justiça. Eles descrevem as responsabilidades éticas dos juízes e articulam altos padrões de conduta, aos quais eles devem aspirar. Eles asseguram às partes em um julgamento que o juiz, perante o qual resolvem suas disputas, está comprometido com a tomada de decisões justas e com a imparcialidade. Elas requerem que os juízes conduzam suas vidas pessoais e profissionais de uma maneira que promova o respeito aos tribunais."

Na última vez que se pronunciou sobre essa questão, o presidente da Suprema Corte dos EUA, ministro John Roberts, disse que a Suprema Corte não precisa adotar um código de ética porque os ministros já "consultam" o "Código de Conduta dos Juízes dos Estados Unidos" ("Code of Conduct for United States Judges"), que governa os juízes federais. Mas os críticos afirmam que há uma "diferença óbvia entre ser obrigado a obedecer um código de ética e consultar um código que qualquer ministro pode desconsiderar, se assim lhe aprouver".

O código de conduta dos juízes federais descreve cinco "cânones" básicos: 1) O juiz deve preservar a integridade e a independência do Judiciário; 2) O juiz deve evitar a impropriedade [ou atos impróprios] e a aparência de impropriedade em todas as atividades; 3) O juiz deve exercer seu cargo de forma justa, imparcial e diligente; 4) O juiz pode se envolver com atividades extrajudiciais que sejam consistentes com as obrigações de seu cargo judicial; 5) O juiz deve se abster de atividades políticas.

É um código elementar que enquadra situações em termos gerais. Mas não especifica, por exemplo, que o juiz deve se declarar impedido de participar de um julgamento em que seus interesses financeiros ou pessoais estão em jogo, embora prescreva que o juiz deve "evitar a impropriedade e a aparência de impropriedade" em todos os seus atos.

De uma maneira geral, os ministros da Suprema Corte dos EUA se declaram impedidos, quando há conflito de interesses. No caso mais célebre, quatro ministros se declaram impedidos, em 2008, de participar de um julgamento da Izuzu Motors, por causa de seus investimentos na empresa. Não houve quórum e prevaleceu a decisão do tribunal inferior.

Porém, já houve casos em que a participação de ministros em julgamentos foi criticada. A mais célebre foi a do ministro Antonin Scalia, em um julgamento do ex-vice presidente Dickey Chenney, em 2004. Eles eram amigos, caçavam juntos e jantavam juntos. Em resposta a uma moção apresentada pela outra parte, Scalia escreveu uma resposta de 21 páginas defendendo sua participação no julgamento.

As queixas dos professores de Direito e dos parlamentares se referem, mais especificamente, a viagens dos ministros, pagas por empresas ou organizações partidárias, para participação em eventos políticos.

Em carta enviada aos parlamentares, publicada pelo Washington Post, os professores mencionam, por exemplo, a participação dos ministros Clarence Thomas e Antonin Scalia em encontros políticos. Segundo a carta, o evento e a participação dos ministros foi patrocinada pelos bilionários conservadores David e Charles Koch, que deram grandes contribuições financeiras ao partido Republicano nas últimas eleições e financiam o movimento ultraconservador chamado Tea Party.

Os ministros Anthony Kennedy e Stephen Breyer declararam a um comitê parlamentar que os ministros da Suprema Corte obedecem o código de ética federal "voluntariamente". Os professores de Direito argumentam que eles devem fazer isso "obrigatoriamente". Citam, na carta, um juiz inglês do Século XVII, que declarou: "Nenhum homem pode ser juiz de seu próprio caso". E concluem: "Inexplicavelmente, ainda permitimos aos ministros da Suprema Corte serem os juízes de si mesmos, quando devem se declarar impedidos de participar de um julgamento".

No Brasil, não há questão semelhante, uma vez que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, ou Loman, que rege o funcionamento do Judiciário e a atuação dos julgadores, vale para todos.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Revista Consultor Jurídico, 12 de agosto de 2013