Poucos sabem do amplo acesso que os Estados Unidos oferecem para auxiliar processos judiciais, administrativos e arbitrais no Brasil, em trâmite ou até mesmo ainda não iniciados, bastando que sejam razoavelmente contemplados. Litigantes e potenciais litigantes, assim como os próprios juízes e tribunais brasileiros, podem acessar diretamente cortes americanas, sem intermediação de autoridades diplomáticas ou mesmo autoridades centrais, para obter documentos ou “coisas” e mesmo depoimentos e declarações de pessoas que se encontram nos Estados Unidos.
Depois de longa ausência, voltamos à coluna na ConJur com uma série de artigos que procuram explorar alternativas mais céleres para o desenvolvimento de processos judiciais, administrativos e arbitrais cujo início, desenvolvimento e eficácia das decisões dependem de medidas em outras jurisdições, portanto fora da soberania brasileira.
Nos primeiros artigos da série “Meios Alternativos de Cooperação Jurídica Internacional”, explicaremos a Seção 1782 do Título 28 do Código dos Estados Unidos (28 U.S.C. §1782), que regulamenta a “Assistência aos Tribunais Estrangeiros e Internacionais e para Litigantes perante esses Tribunais”. Além do interesse acadêmico, temos utilizado a Seção 1782 em nossa prática, com êxito e rapidez.
Embora presente na codificação das leis americanas desde 1948, com importantes emendas em 1949, 1964 e 1996 e uma interpretação mais liberal dada pela Suprema Corte americana em 2004, no caso Intel Corp. v. Advanced Micro Devices Inc., 542 U.S. 241 (2004), somente nos últimos anos essa modalidade de assistência direta passou a ser mais utilizada por litigantes brasileiros.
Acesso direto
Notem que, conforme já ressaltamos, a corte americana, nesse caso uma corte federal, pode ser provocada diretamente pela parte interessada, assistida por advogado devidamente habilitado, sem a necessidade de intervenção das autoridades que fazem a intermediação da cooperação jurídica internacional no Estado rogante e no Estado rogado.
No modelo de tramitação da tradicional carta rogatória, uma autoridade judiciária brasileira enviaria uma “carta” à autoridade judiciária estrangeira, rogando sua cooperação para a realização da diligência pretendida. Essa carta seria enviada ao Ministério da Justiça que a encaminharia ao Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, e este, por meio de suas representações no exterior, à Chancelaria do Estado rogado, a quem caberia transmitir a carta à autoridade judiciária competente. Uma vez cumprida a diligência, não havendo problemas, a rogatória voltaria pelo caminho inverso, permitindo a continuidade ou início do processo brasileiro.
Quando previsto em tratado, a via diplomática pode ser afastada, permitindo que a carta tramite entre “autoridades centrais”, assim reduzindo, mas não eliminando, a burocracia intermediadora.
No modelo estabelecido pela Seção 1782, os litigantes — e até as próprias cortes ou tribunais administrativos e arbitrais — devem se dirigir à corte federal americana do distrito em que reside a pessoa física ou jurídica da qual se pretende obter documentos, coisas, declarações ou depoimentos.
Em um dos casos que analisamos, o autor, com fundamento no 28 U.S.C. §1782, solicitou à corte do Distrito Sul da Flórida que ordenasse a um banco localizado em Miami a produção de dados bancários (extratos, documentos de abertura de contas entre outros) e ao gerente desse banco que prestasse depoimento, ambos sobre a movimentação financeira de pessoa residente no Brasil, contra quem seria movido processo de indenização por fraude.
Em menos de um mês, a corte determinou e o banco entregou ao autor os dados bancários solicitados. O depoimento do gerente foi dispensado diante da clareza dos extratos e documentos produzidos.
Processo no Brasil não precisa estar pendente ou ser iminente, bastando ser “razoavelmente contemplado”.
O texto da Seção 1782 exige que o autor demonstre que os documentos, coisas, depoimentos ou declarações solicitados deverão servir “para uso em um processo em um tribunal estrangeiro ou internacional”. Não há necessidade de o processo já estar em andamento. A Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Intel v. AMD, acima referido, foi além e rejeitou o argumento da Intel no sentido de que o processo no exterior deve ser “pendente” ou “iminente”. De acordo com a interpretação dada pela Suprema Corte, o processo no exterior alegado pelo autor apenas deve ser “razoavelmente contemplado” (within reasonable contemplation).
Assim, os Estados Unidos oferecem seu modelo de pre-trial discovery para litigantes no exterior. No próximo artigo, analisaremos a validade desses elementos de prova à luz do direito brasileiro e a influência que essa validade pode ter para a utilização da Seção 1782 nos Estados Unidos.
Fonte: Conjur