Entre os princípios que regem a aplicação da pena privativa de liberdade, se destaca, num lugar de honra, o da participação da comunidade, presente na história dos cárceres e onde quer que se reflita acerca do futuro e da humanização da pena. Essa participação remonta a tempos longínquos e pode ser extraída textualmente das Regras Mínimas das Nações Unidas, importante documento internacional para tratamento dos reclusos (Genebra, 1995), assim sintetizado: “O tratamento não deve acentuar a exclusão dos reclusos da sociedade, mas, sim, fazê-los compreender que eles continuam fazendo parte dela; e mais, para este fim, há que recorrer à cooperação de organismos da comunidade destinados a auxiliar o pessoal do estabelecimento na sua função de reabilitação das pessoas”.
Especificamente no Brasil, a Lei de Execução Penal, em seu artigo 4º, estabelece que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança. No mesmo sentido, a Resolução 16/2003 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, trata do estímulo à integração entre áreas de governo e comunidade no apoio à execução penal de qualidade. Entre as experiências de participação comunitária na execução penal sobressaem: os patronatos particulares; os conselhos da comunidade; os centros de ressocialização; as associações de proteção e assistência aos condenados; e as redes sociais de apoio aos prestadores de serviços à comunidade. A Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) e os centros de ressocialização deverão merecer atenção especial, porque são inovações genuinamente brasileiras que estão servindo de modelo para dezenas de países, pela qualidade do atendimento prestado (com nítido viés humanitário) e ainda por seus baixíssimos custos, pela participação da família e da sociedade e pelo expressivo declive da reiteração delituosa.
A Apac – amplamente difundida em Minas Gerais por meio do projeto Novos rumos, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) – é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, que atua como entidade auxiliar na execução da pena, com assento em princípios básicos, tais como: disciplina com amor; preso ajudando preso; assistência e orientação ao preso e sua família; sistema progressivo de pena etc. Esse programa orienta-se em 12 elementos fundamentais, cabendo destacar como o mais primordial deles a participação da comunidade, a quem incumbe fundamentalmente a preparação do preso para voltar ao convívio social, comprometendo-se com a solução de todas as dificuldades que possam surgir no cumprimento dessa difícil missão.
Os centros de ressocialização – bastante difundidos em São Paulo, por meio do projeto Cidadania no cárcere – consistem na gerência de prisões em sociedade com organizações não governamentais (ONGs). Na execução desse projeto, dois aspectos relevantes a serem considerados: a primordial intervenção da comunidade no processo de ressocialização e a economia na manutenção, associada à excelência dos serviços penitenciários. Nos centros, são abrigados presos condenados nos três regimes e presos provisórios; os índices de reincidência são inexpressivos e as fugas e motins quase não ocorrem, diferentemente do sistema prisional convencional. Importante reconhecer que é totalmente enganoso imaginar que o Estado tem condições de enfrentar, de modo solitário, o desafio da execução penal. A sociedade, sensibilizada, consciente de que não pode continuar indiferente, deve cumprir um papel cívico de apoiamento a todas as boas iniciativas que tenham por propósito a humanização do nosso sistema punitivo, o que representa muito mais do que um gesto de compaixão, mas, sim, exercício puro de cidadania, por uma questão de sobrevivência material e moral.
Autor: Herbert José de Almeida Carneiro - Desembargador da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)
* Este artigo foi publicado no Jornal Estado de Minas, editoria de Opinião, edição do dia 30/11/2010.