Em dois terços das 295 comarcas mineiras não há defensores públicos, e em apenas 26 delas o número de profissionais é considerado suficiente. O déficit no serviço afeta diretamente a população. Nesses locais, quem não tem como pagar um advogado deixa de receber atendimento, ou seja, fica sem acesso à Justiça e a seus direitos. “É absolutamente importante a instalação de Defensoria em todas as comarcas”, afirma Christiane Procópio, defensora pública geral do Estado.

Em 2007, o governo de Minas se comprometeu a contratar 1.200 profissionais, mas a meta ainda não foi atingida. Menos da metade (586) atua em ações impetradas por pessoas que não têm condições de contratar um advogado particular.

Quem vive nas comarcas desprovidas de defensores públicos acaba tendo que se virar como pode. E, muitas vezes, deixa de reivindicar um direito por falta de meios para fazê-lo. Um problema que a recepcionista Simone de Oliveira, de 38 anos, sente na pele. Ela e mais de 36 mil moradores de Brumadinho, na região metropolitana, não têm acesso a esse serviço.

“Precisei pedir o pagamento de pensão para meu filho, mas fui avisada no Fórum que isso não seria possível. Apertei tudo o que deu até juntar o suficiente para pagar um advogado”, conta a recepcionista, que vive, no momento, um novo drama. “O valor da pensão está abaixo do fixado pelo juiz e não tenho como contestar”, afirma.

Mas nem mesmo nas cidades que contam com a Defensoria Pública há garantia de que todos sejam atendidos. Além da instalação do órgão em mais comarcas, é preciso aumentar o número de profissionais em outras.

Na terceira maior comarca do Estado, em Contagem, na Grande Belo Horizonte, não existe atendimento na área da família. Quem precisa entrar com pedido de pensão, separação, herança ou qualquer outra reivindicação do tipo também acaba sem atendimento.

Até mesmo na capital, que conta hoje com 206 defensores, o número de profissionais é considerado insuficiente. Quem é beneficiado pelo serviço sabe muito bem a diferença que ele faz na vida das pessoas. “Já recorri à Defensoria várias vezes e nunca teria condições de lutar pelos meus direitos se não fosse desta forma”, conta a auxiliar de produção Vanessa Aparecida Ferreira, de 32 anos.

CARÊNCIA

Mesmo estando tão perto da capital, moradores de Brumadinho, uma das comarcas sem Defensoria Pública, não podem recorrer ao serviço em Belo Horizonte. O trabalho do órgão é normativo e não permite que a população de uma comarca seja atendida em outra. “O direito mais importante que as pessoas têm não é o direito à vida, à saúde, ou à liberdade. O mais importante é o direito a ter direitos. Quem não tem condição de arcar com os custos de um processo vai acabar não conseguindo fazer valer seus direitos”, sentencia o presidente da Associação dos Defensores Públicos (Adep-MG), Eduardo Pinheiro.

A assessoria de imprensa do governo do Estado foi procurada, mas não se pronunciou sobre o assunto até o fechamento desta edição. O governo também não respondeu o motivo pelo qual não cumpre a Lei Orgânica nem indicou de que forma pretende respeitar a Emenda Constitucional nº 80, publicada em junho passado, que exige a instalação de defensorias em todas as comarcas do país.



Substituição por advogado custa mais ao governo

A falta de defensores públicos em Minas Gerais tem gerado rombo nas contas do governo, além de representar um desrespeito legal, já que deixa muitos cidadãos sem a garantia constitucional de acesso à Justiça.

O dinheiro gasto pelo Estado para suprir a falta de um defensor da área criminal, no período de um mês, daria para pagar o salário de 18 servidores concursados para exercer a mesma função.

O dado faz parte de um estudo da Associação dos Defensores Públicos de Minas Gerais (Adep-MG), que cruzou informações de produtividade média de um profissional com os honorários pagos ao advogado nomeado, o chamado dativo.

O custo da contratação de terceiros por um mês de trabalho – saída encontrada pelas comarcas que não têm Defensoria – ficaria em torno de R$ 300 mil, na área criminal. Já o salário inicial de um defensor, no mesmo período, é R$ 16 mil.

Os valores gastos para bancar os dativos não são revelados pelo Estado. O orçamento destinado à Defensoria Pública também é mantido em sigilo.

O que é notória é a dívida gigantesca com os contratados, já que muitos não recebem há anos. Para tentar minimizar o problema, o governo liberou, em junho deste ano, R$ 1,8 milhão para quitar o serviço prestado em casos antigos. Um valor pequeno frente ao montante que ainda está à espera de pagamento, segundo informações da Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais.

Apesar de evidenciar um prejuízo financeiro, a contratação de dativos ainda é aplicada em larga escala para suprir o déficit de defensores públicos em Minas.

METADE

Hoje, são 586 defensores públicos ativos, embora a Lei Orgânica do Estado tenha determinado, em 2007, um número de 1.200 profissionais.

“A situação é preocupante. Entre a previsão legal e a realidade existe um fosso muito grande. Por que existe essa norma e isso nunca foi implementado? É uma pergunta de um milhão de reais”, diz o presidente da Adep, Eduardo Cavalieiri Pinheiro.

OBRIGAÇÃO

Além da imposição da lei estadual, a Emenda Constitucional nº 80, de junho de 2014, estabelece um prazo de oito anos para a instalação de Defensoria Pública em todas as comarcas do país.

“Tenho dúvidas de que vamos cumprir essa meta. Nada garante que isso será feito, já que uma lei estadual não é cumprida”, argumenta Pinheiro.

Mesmo o paliativo para resolver o gargalo – a nomeação de advogados dativos – não é mais garantia de prover os direitos fundamentais.

Muitos advogados que atuam nessa função desistem do trabalho por falta de pagamento dos honorários pelo Estado.

“Desde o início do ano passado, atendi a mais de 20 clientes e não recebi um centavo sequer. Já estou avaliando a possibilidade de não aceitar mais a função porque estou sobrecarregada”, explica a advogada Nara Paraguai, que está na lista de dativos em Brumadinho, na região metropolitana.

BUSCA POR ACORDO

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tenta negociar com o governo do Estado um novo convênio para regularizar o pagamento dos advogados dativos. O acordo firmado em 2012 foi desfeito no fim do ano passado. Por causa de burocracia na documentação, muitos advogados acabaram sem receber os honorários pelos serviços prestados.

“Enquanto isso, é o cidadão que perde, porque a sociedade evoluiu e adquiriu uma consciência de seus direitos básicos. Mas não adianta ter essa consciência e não ter mecanismos para exercê-la”, diz o presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais, Sérgio Murilo Braga.


MINIENTREVISTA

Christiane Procópio
Defensora pública geral de Minas

Qual a importância do defensor público para a população?
O defensor possui a missão de efetivar o direito fundamental de acesso à Justiça. Assim sendo, todos aqueles necessitados possuem direito à assistência jurídica integral e gratuita e de usufruir desses direitos, especialmente os fundamentais. Pesquisas mais recentes apontam que aproximadamente 80% da população é potencialmente assistida pela Defensoria Pública. Assim sendo, ela é a instituição que possui a missão constitucional de garantir a efetivação dos direitos individuais e coletivos e, por consequência, da dignidade humana da grande maioria da população.

Como uma comarca não pode fazer atendimento de pessoas de outra, alguns acabam mesmo ficando sem atendimento?
Se a comarca não possui representação da Defensoria Pública, o cidadão realmente fica sem atendimento, ou seja, sem acesso à Justiça e a seus direitos, razão pela qual é absolutamente importante a instalação do órgão em todas as comarcas do Estado.

Em sua opinião, há uma perspectiva de cumprimento da emenda que exige Defensoria Pública em todas as comarcas, em até oito anos?
Já estão sendo tomadas ações de planejamento interno pela Defensoria Geral de Minas, no sentido de elaborar um estudo concreto para apresentação ao governo, especialmente diante do impacto orçamentário que o cumprimento da emenda irá ocasionar. O cumprimento do prazo estabelecido na Constituição implica na necessidade de incremento do orçamento, tanto do ponto de vista do pessoal (novos recursos para defensores e para servidores) quanto do custeio, o que será objeto de negociação com o governo do Estado. De todo modo, estamos confiantes na interlocução com o governo e com a sensibilidade do governador.

Fonte: Hoje em Dia