Bruno Terra Dias*

O ano de 2010 entra para a história do Judiciário com a marca da preocupação. Nos últimos meses, dois magistrados mineiros foram severamente apenados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um sancionado com remoção compulsória e outro com disponibilidade compulsória. Os casos são conhecidos, assim como suas consequências. O que se propõe discutir é o impacto das decisões sobre as prerrogativas dos magistrados, os tribunais e as corregedorias de justiça.

O primeiro caso, de um colega e amigo, magistrado valoroso, respeitado entre seus pares, pelos advogados, servidores e jurisdicionados, importou em decisão que, afastando possibilidade de pronunciamento da Corte Superior do TJMG e reconhecendo que o corregedor-geral da época não poderia, unilateralmente, aplicar pena de advertência, avocou o processo e, na mesma sessão, decidiu pela remoção compulsória. Vale dizer, tendo o magistrado ofertado defesa à Corregedoria de Justiça, onde a imputação lhe rendia a possibilidade de advertência, o CNJ considerou desnecessário conceder nova oportunidade de defesa, desta feita em face de imputação passível de remoção compulsória, bem como suprimiu à Corte Superior a apreciação administrativa dos fatos.

O segundo caso, também de um colega e amigo, magistrado igualmente valoroso e respeitado, resultou em decisão sancionatória com disponibilidade compulsória, num processo que se arrastou desde meados de 2007 (quando apresentada a representação). A hipótese apreciada pelo CNJ foi de fundamentação de decisão com argumento em tese minoritária (não importa a maior ou menor aceitação do argumento que motivou a irresignação e a representação, nem mesmo seu conteúdo, posto que não se traduz em ilícito), para alguns até mesmo personalíssima, sem que o juiz tenha negado jurisdição, ou se movido por corrupção ou prevaricação, inocorrendo ofensa a direito

subjetivo de qualquer pessoa. Com seu julgamento, o CNJ, quanto ao mérito, no mínimo, afasta dois tratados internacionais (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, art. 19; Pacto de São José da Costa Rica, art. 13), subscritos pelo Brasil e ratificados regularmente, bem como uma resolução da ONU (Princípios Básicos Sobre a Independência do Judiciário, previstos no Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento dos Delinquentes), todos tratando expressamente do direito de manifestação de opinião pelo magistrado.

Nos dois casos, a Amagis atuou prontamente, obtendo, pioneiramente no Brasil, reversão liminar da decisão de remoção compulsória, e aguardando, para os próximos dias, liminar contra a decisão de disponibilidade compulsória. Mas, o ensombrecimento do horizonte para as instituições transtorna o espírito e turva as expectativas, na medida em que o órgão constitucionalmente incumbido de controlar atividades administrativas e financeiras do Judiciário, bem como o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, vem desconhecendo os papéis dos órgãos especiais e das corregedorias de justiça, bem como direitos e prerrogativas dos magistrados e até tratados internacionais.

Claramente, ocorre excesso de poder por parte do órgão controlador, o que vem sendo corrigido pelo Supremo Tribunal Federal em casos concretos. Já se torna evidente que a ausência de regulação dos poderes do CNJ, em lei democraticamente votada pelo Congresso Nacional, causa prejuízos à magistratura e ao Poder Judiciário, como se constata das reiteradas desconsiderações quanto a competências das instâncias administrativas a que, naturalmente, estão subordinados os magistrados, bem como do direito universalmente consagrado ao devido processo legal.

Esforços e atenção redobrados são exigidos neste momento em que se tornou lugar comum o aviltamento dos direitos, garantias e prerrogativas dos magistrados, não compreendendo o cidadão comum o risco inerente a tal situação. Quanto mais subjugados os magistrados, maior o comprometimento da democracia e da cidadania, menores as possibilidades de realização dos direitos constitucionais, aumentadas serão as vulnerabilidades, especialmente daqueles que aplaudem o espetáculo da manipulação de sua própria opinião, não enxergando o destino a que são tangidos.

À Amagis e suas congêneres, neste cenário, compete perseverar no combate pelo respeito aos magistrados e por um novo Estatuto da Magistratura, que seja democraticamente concebido, colocando os limites que o civilizado sistema de freios e contrapesos recomenda.

(*) Presidente da Amagis