Em entrevista concedida ao jornalista Valdo Cruz, da Folha de S.Paulo, Carlos Britto afirmou que “isso pode significar a utilização de fontes vedadas de financiamento para candidatos, pode facilitar a superação das contas vedadas de financiamento de candidato pela mediação dos partidos. Os partidos têm um leque de financiadores mais aberto do que os candidatos”. Segundo ministro, esse dispositivo vai dificultar a identificação dos reais destinatários do valor doado.
O mandato de Carlos Britto à frente do TSE termina no início deste ano. Joaquim Barbosa, candidato natural para substituir Britto, comunicou os colegas do Supremo Tribunal Federal que vai renunciar à vaga. O comando das eleições 2010 deve ficar nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski.
Leia a entrevista concedida à Folha de S.Paulo
Qual sua avaliação para o financiamento eleitoral em 2010?
Carlos Ayres Britto — Sempre vejo eleição como uma festa democrática, não como um velório. Agora, tenho preocupações. Tenho preocupações principalmente com a formação de caixa dois.
Por quê?
Carlos Britto — Porque o caixa dois é um financiamento ilegal de campanha e costuma ser o início de toda corrupção administrativa. Quem financia por debaixo dos panos vai cobrar o retorno do capital por baixo dos panos, e alianças espúrias são feitas a partir do caixa dois.
O sr. acha que o caixa dois tem aumentado ou diminuído?
Carlos Britto — Ele é teimoso. Ele é renitente, a gente sempre tem a oportunidade de constatar, ou pelo menos desconfiar, que ele está sendo praticado. Além do caixa dois, o que me preocupa é esse dispositivo.
Qual dispositivo?
Carlos Britto — Esse que habilita os partidos a assumir e pagar despesas realizadas por candidatos majoritários.
Isso significa o quê?
Carlos Britto — Falando em tese, claro, isso pode significar a utilização de fontes vedadas de financiamento para candidatos, pode facilitar a superação das contas vedadas de financiamento de candidato pela mediação dos partidos. Os partidos têm um leque de financiadores mais aberto do que os candidatos. Eles poderão chegar com seus recursos aos candidatos, o que não aconteceria sem a sua intermediação. Nosso controle pelo TSE pode ficar extremamente dificultado no sentido de identificar os destinatários últimos da doação.
Isso não contribui para a transparência do processo eleitoral?
Carlos Britto — À primeira vista, dificulta a observância da transparência. Vamos ver se criamos mecanismos que nos possibilitem aplicar esse dispositivo com transparência. Porque você sabe que à Justiça Eleitoral compete velar pela legitimidade e regularidade do processo eleitoral. Por isso é que baixamos instruções a cada eleição. Vamos ver se temos condições de criar instruções que nos possibilitem aplicar esse dispositivo sem prejuízo da visibilidade, da transparência.
O TSE pode baixar uma norma para dar mais transparência?
Carlos Britto — Todo esforço será feito nesse sentido. Porque, num súbito de vista, ele dificulta a transparência. Vamos ver se contornamos validamente com mecanismos que nos aparelhem para fazer a viagem de volta do dinheiro.
Partidos e empresários dizem que vão priorizar a doação a partidos, e não a candidatos.
Carlos Britto — Nem sempre a doação pode ser feita. Há determinadas fontes que não podem. As fontes de financiamento dos partidos são mais liberadas, são em número maior que as dos candidatos.
Mas os partidos não terão de fazer sua prestação de contas e dizer quanto foi para tal candidato?
Carlos Britto — Isso é verdade. Mas enquanto o candidato é obrigado a prestar contas 30 dias depois da eleição, o partido vai prestar contas no mês de abril do ano subsequente.
E isso dificulta a identificação do caminho de volta.
Carlos Britto — Com essa lei ficou mais difícil fazer o caminho de volta do dinheiro. O caminho que o dinheiro seguiu, para ser rastreado, de ponta a ponta, fica mais difícil. Não é que fique impossível, fica mais difícil.
Fonte: Conjur