Se a Justiça no Brasil é lenta, em alguns municípios de Minas Gerais ela é anda ainda mais devagar. Na verdade, quase parando. Ao todo, 17 das 296 comarcas de Minas Gerais estão sem um juiz permanente, a maioria delas esperando há mais de cinco anos por um magistrado. Isso significa 37 cidades sem atendimento de um juiz fixo. Todos os processos que correm nestes municípios dependem da agilidade de um juiz colaborador, que sai de outra cidade para atender a demanda local. Se somadas às comarcas em que falta juiz em pelo menos uma vara, o número aumenta para 45, 15% do total de comarcas.

Em Belo Vale - cidade com cerca de 7.500 habitantes, localizada na região Central do Estado -, 2.000 processos se acumulam sem prazo para ter uma decisão final. Desde 2003, a cidade está sem um juiz permanente. Toda a estrutura de uma comarca normal está montada, mas o juiz da cidade vizinha só atende uma vez por mês no fórum da cidade.

A situação se repete em outras regiões do Estado. Em Rio Novo, na Zona da Mata, os processos também se acumulam por falta de um juiz permanente. Desde 2004, a comarca é atendida por um juiz colaborador. "Não é por falta da gente reclamar. Já falamos na sede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), já reclamamos com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nada adiantou", revela um servidor do Fórum de Rio Novo.

Para a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), para que a celeridade da Justiça chegasse perto do desejável, seria preciso duplicar o número de juízes, ou seja, contratar cerca de 1.000 novos magistrados.

O presidente da Amagis, juiz Bruno Terra, afirma que há um impedimento financeiro para investir mais na contratação de novos magistrados por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Pela legislação, o Estado só pode gastar 6% do orçamento com o custeio do Judiciário. Isso envolve pagamento de servidores, manutenção das comarcas e investimentos. Segundo a Amagis, o orçamento do TJMG para 2011 gira em torno de R$ 2,7 bilhões. "Não existe dinheiro suficiente para implementar o necessário", disse o magistrado.

Justiça não acompanha aumento da demanda

A falta de juizes em algumas cidades de Minas Gerais pode ser explicada, segundo especialistas ouvidos por O TEMPO, pelo aumento da demanda da população pelos serviços do Poder Judiciário. Enquanto os processos foram se multiplicando, a infraestrutura e os investimentos em pessoal dentro dos quadros do Judiciário não acompanharam o avanço.

O crescimento do Poder Judiciário não aumentou na mesma proporção da demanda que há por ele", argumentou o presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), juiz Bruno Terra. Atualmente, em Minas Gerais a Justiça conta com 20 mil servidores, entre ativos e inativos. Cerca de 1.000 são juízes. Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existe atualmente, no Estado, um juiz para cada 20 mil habitantes. Na avaliação da Associação dos Magistrados, esse número deveria ser de um magistrado para cada 10 mil cidadãos, como acontece na Argentina, por exemplo.

Transtornos

Entretanto, ainda de acordo com o presidente da Amagis, Bruno Terra, há outros problemas que impedem a celeridade da Justiça no Brasil. "Parte do problema está ligada à legislação processual, em que o juiz é obrigado a tratar individualmente um problema que a maioria das vezes é de massa. Na verdade, trabalhamos como artesãos enquanto a demanda é industrial", comparou. (MJN)

Déficit também ocorre no Ministério Público de MG

O déficit de profissionais no sistema Judiciário se repete também entre os promotores. Segundo a Associação Mineira do Ministério Público (AMMP), atualmente, existem cerca de cem promotores a menos do que juízes, enquanto o certo seria o contrário. Para o presidente da AMMP, procurador Rômulo Ferraz, o déficit prejudica o atendimento mais próximo ao cidadão.

"Não tenho dúvidas de que o número é muito menor do que o necessário", afirma Ferraz. Segundo ele, a questão é ainda mais crítica nas regiões carentes do Estado, como o Norte e o Vale do Jequitinhonha. "Nas comarcas dessas regiões, a demanda pela defesa do cidadão é ainda maior. É lá que os casos envolvendo questões familiares e criminais tendem a ser maiores e há promotores atendendo nove, dez cidades. Há casos em que temos um promotor para cada 100 mil habitantes", alerta.

O problema, segundo a AMMP, no entanto, não esbarra na falta de recursos ou de vagas a serem preenchidas, mas na falta de candidatos que conseguem passar no concurso. "Nos três últimos concursos, tivemos o mesmo problema. Tínhamos cerca de 50 vagas para serem preenchidas e passaram de 10 a 25 pessoas, de 3.000 que concorriam", afirma Rômulo Ferraz. (MJN)

Conselho alerta para elitização das promotorias

Para o presidente da Associação Mineira do Ministério Público (AMMP), Rômulo Ferraz, o número de promotores poderia ser maior, no Estado, se os profissionais recém formados conseguissem a aprovação em concurso público.

Ferraz alerta, no entanto, que a formação dos alunos de direito nem sempre é feita de maneira adequada. Em outros casos, a rigidez do processo seletivo é, segundo o presidente da AMMP, a explicação para o baixo número de aprovados.

"O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) pediu cuidado com a chamada elitização da profissão. Os que têm oportunidade de passar um longo período estudando conseguem a vaga mais facilmente. Entretanto, aqueles que precisam trabalhar, por exemplo, acabam ficado de fora", explicou Ferraz. (MJN).

Fonte: Jornal O Tempo - edição desta segunda-feira,31/01/2011.