O furto de veículo estacionado em supermercado configura dano moral puro, sem necessidade de se provar o sofrimento alegado, se o cliente prejudicado for portador de necessidades especiais. Afinal, uma situação como essa é capaz de abalar fortemente o seu equilíbrio emocional, ensejando a devida reparação.
O entendimento é do 5º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que rejeitou Embargos Infringentes interpostos contra Apelação que, por maioria, manteve a condenação, em dano moral, de um estabelecimento na comarca gaúcha de Torres. A sentença proferida pelo juízo de primeiro grau reconheceu apenas dano material — o valor do veículo furtado —, mas negou a reparação moral.
O relator dos Embargos no 5º Grupo Cível, desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, afirmou no acórdão que o desaparecimento de um carro no estacionamento do supermercado tira qualquer pessoa do seu equilíbrio emocional, ainda mais alguém com limitações físicas para se locomover. Isso porque o autor da ação precisa do veículo muito mais do que aqueles que não apresentam deficiência física.
‘‘O abalo extrapatrimonial, aliás, se mostra in re ipsa, o qual se presume, conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo de prova quanto à ocorrência de prejuízo concreto’’, resumiu o desembargador Franz, mantendo a reparação em R$ 10 mil. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento ocorrida no dia 16 de agosto.
O caso
Alvaci Albino contou à Justiça que no dia 5 de janeiro de 2010 deixou seu Uno Mille no estacionamento do Supermercado Alto Serrano II (Roal Master), na Comarca de Torres, litoral norte do estado. Ao retornar das compras, não encontrou mais o veículo, que estava alienado à financeira BV.
A Ação de Reparação estimou os danos materiais em R$ 9.900 — soma do valor do carro, da película e de acessórios novos instalados. Quanto à reparação moral, o autor pediu que o quantum arbitrado não fosse inferior a R$ 6 mil.
O estabelecimento apresentou defesa. Disse que o autor não provou ter feito compras no local naquela data e que não possui estacionamento exclusivo para clientes. Logo, não tem responsabilidade alguma pelos veículos estacionados no local.
A sentença
A pretora Janice Cainelli de Almeida, da 1ª Vara Cível de Torres, avaliou fotos e depoimentos, concluindo que o local é utilizado pelo supermercado para estacionamento e que o autor efetivamente esteve no estabelecimento naquele dia.
Segundo a julgadora, se a empresa se beneficia do estacionamento para atrair clientela, deve assumir os riscos da atividade que explora. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 130, autoriza esse entendimento: ‘‘A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento”. O valor concedido pelo dano material foi de R$ 9.963,62.
O dano moral, entretanto, foi negado, sob o argumento de que o autor vivenciou mero dissabor, aborrecimento comum e usual decorrente de acontecimento ordinário nos tempos atuais. Logo, não houve agressão à personalidade ou à dignidade humana.
‘‘Só deve ser reputado como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira no comportamento psicológico do indivíduo’’, justificou a julgadora.
As Apelações
Inconformado, o autor entrou recurso no Tribunal de Justiça e conseguiu o reconhecimento de dano moral, arbitrado em R$ 10 mil pelo julgador que decidiu monocraticamente. Para este, trata-se de dano moral puro, que independe de comprovação, pois decorre do próprio ilícito indenizável. A decisão foi atacada em novo Agravo, pelo estabelecimento comercial, mas restou mantida pela maioria dos integrantes da 9ª Câmara Cível.
O voto divergente partiu da desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira, para quem os dissabores experimentados pelo autor não são suficientes para a configuração de dano moral. Ou seja, não houve demonstração de abalo sofrido que pudesse ensejar reparação.
Conforme a julgadora, citando os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho, a hipótese dos autos não é de dano moral puro. Isso por que o fato narrado não é suficientemente ofensivo a ponto de trazer o abalo moral como presunção natural.
‘‘Ora, se a ofensa é grave e, assim, justifica, por si só, o deferimento de indenização por dano moral, é possível concluir, contrariu sensu, que quando a ofensa não tiver tamanha gravidade o dano moral não se configura in re ipsa, necessitando, então, ser comprovado’’, emendou.
Foi com base neste voto, pedindo sua prevalência, que a empresa interpôs Embargos Infringentes no 5º Grupo Cível, que reúne os magistrados da 9ª e 10ª Câmaras Cíveis. No entanto, o recurso não foi aceito.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de setembro de 2013